Em 1972, três anos antes de ser apresentada pela gravadora Philips como “a voz do samba” em álbum lançado em 1975, Alcione entrou no estúdio Eldorado, na cidade de São Paulo (SP), para gravar fita demo.
Essa demo foi formatada com o repertório poliglota a que, antes da fama, Alcione dava voz em boates cariocas e paulistanas desde que migrara de São Luís (MA) para a cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 1967, em busca de melhores oportunidades profissionais como cantora.
O objetivo da fita era convencer o compositor e músico Roberto Menescal, então no posto de diretor artístico da gravadora Philips, a abrir as portas da indústria fonográfica para a então emergente Alcione.
A missão foi cumprida. Amostra inicial da potência e do brilho da voz da cantora (intérprete de refinada musicalidade, inclusive pela habilidade de tocar instrumentos de sopro como trompete), a fita valeu a Alcione um contrato com a Philips para a gravação de compacto editado ainda em 1972 com as gravações das músicas Figa de guiné (Reginaldo Bessa e Nei Lopes) e O sonho acabou (Gilberto Gil), ambas lançadas naquele ano (Gil gravou a própria composição no álbum Expresso 2222).
O compacto passou despercebido no mercado e Alcione continuou cantando na noite enquanto gravava outros (obscuros) compactos na Philips. Até que, no rastro da explosão nacional de Clara Nunes (1942 – 1983) em 1974, a cantora maranhense ganhou a chance de gravar um primeiro álbum para ser lançada como sambista em bem-sucedida estratégia de marketing orquestrada por Roberto Menescal.
Impulsionado pelo sucesso das gravações de Não deixe o samba morrer (Edson Conceição e Aloísio Silva) e O surdo (Totonho e Paulinho Resende), o álbum A voz do samba alavancou a carreira dessa grande cantora futuramente chamada de Marrom.
Ouvida por produtores e pesquisadores musicais, a fita de 1972 originou, em meados dos anos 2000, a ideia de lançar disco com essas gravações seminais da pré-história fonográfica de Alcione. Consta que a cantora teria avalizado o projeto do disco, inviabilizado na época por questões jurídicas. Mas a ideia, como o samba, nunca morreu. O produtor Thiago Marques Luiz, por exemplo, sempre quis editar um disco com essas gravações.
Se o projeto for retomado e se forem resolvidas as questões relativas a direitos autorais, o público pode a qualquer momento ter acesso a registros inéditos de músicas como A flor e o espinho (Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha, 1957), Apelo (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966), Bebete vãobora (Jorge Ben Jor, 1969), Grande grande grande (Alberto Testa e Tony Renis, 1971), Love story (Francis Lai e Carl Sigman, 1970), Minha (Francis Hime e Ruy Guerra, 1966), Ne me quitte pas (Jacques Brel, 1959), Nervos de aço (Lupicínio Rodrigues, 1947), O conde (Jair Amorim e Evaldo Gouveia, 1969), Pra machucar meu coração (Ary Barroso, 1943), Sem mais adeus (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1964), The shadow of your smile (Johnny Mandel e Paul Francis Webster, 1965), Ternura antiga (Dolores Duran e Ribamar, 1960), Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967), Último desejo (Noel Rosa, 1937), Valsinha (Chico Buarque e Vinicius de Moraes, 1971) e Yesterday (John Lennon e Paul McCartney, 1966).