Com certa impaciência, tenho notado que a política brasileira está sendo feita na base de anjos e demônios. Um lado – não importa se é oposição ou situação – se faz de anjo e acusa o lado oposto de demônio. São maniqueístas. Dividem o mundo entre o bem e o mal, sendo que no lado do bem só há virtudes e no lado do mal, só há defeitos. E essa guerra de maniqueísmo está se prolongando ao longo desses muitos meses de pandemia. Temo que continuará além da pandemia, sem trazer – infelizmente – nenhum bem para o Brasil. Ao final da guerra, não haverá vitoriosos. Mesmo aqueles que se acharem vitoriosos, não o serão, pois a vitória deveria ser de um Brasil melhor e mais justo, o que não ocorrerá.
A gente sabe que, na política, não há anjos. Ninguém chega lá através da completa pureza. E isso não é apenas no Brasil. O mundo inteiro, com pequenas variações, age do mesmo jeito. Demônios na política, acredito que haja alguns, mas não tantos quanto querem fazer parecer. E para ser franco, não é preciso ser anjo para ser um bom político. Vamos deixar que os anjos continuem com a sua permanente função nesse mundo de Deus: guardar a todos nós, para que corramos menos riscos. Na política, é preciso competência, honestidade e espírito público. Se um político unir essas três virtudes, basta. Não há a necessidade de que sejam anjos. Aliás, é bom que a gente desconfie bastante daqueles que se fazem anjos. Podem ser os mais demoníacos, os mais perigosos, os mais capazes de nos causar o mal.
Para usar uma terminologia antiga, não precisamos, na política e em nenhum outro lugar, de lobos com pele de cordeiros. Precisamos de pessoas que pensem menos em si próprias e mais nas pessoas que as levaram ao poder. Precisamos de políticos que pensem menos na próxima eleição e mais na real situação do país. Não deveria haver mais espaço para o político ‘rouba-mas-faz’. Não deveria haver mais espaço para o político ‘o-mundo-é-dos-espertos’. Não deveria haver mais espaço para o político ‘sou-mas-quem-não-é?’. Não deveria haver mais espaço para o político ‘eu-quero-é-me-locupletar’. Não deveria haver mais espaço para o político picaresco, que vive de se aproveitar dos outros, que tudo faz para tirar proveito próprio. Não precisa ser anjo, mas não pode ser demônio.
Infelizmente, nessa luta entre anjos e demônios, em que ambos os lados são postiços, só o povo será derrotado. E o pior de tudo é que os anjos e demônios podem sair ilesos, mas o povo, com certeza, sairá com máculas. E essa situação só mudará quando as pessoas perceberem que tanto os anjos quanto os demônios são falsos e não mais acreditarem neles. Precisamos de pessoas que pensem, não por nós, mas conosco, para podermos solucionar os grandes problemas da nação. E essas pessoas, estejam certos, não são nem anjos nem demônios.
BAHIGE FADEL