Só quem já ganhou um abraço de Nícolas Cabreira Ortiz, 9 anos, sabe o quanto isso é importante para ele e sua família. Autista grau moderado, o garoto tem dificuldades em interagir, comunicar-se e em demonstrar afeto, especialmente fora do seu núcleo familiar. Mas esses limites têm mudado aos poucos com a educação inclusiva, que o coloca diante de desafios de sociabilidade e em contato com outras crianças.
Para chegar a essas evoluções no comportamento, Nícolas conta com um apoio imprescindível. Sua relação com a profissional de apoio escolar que o acompanha, Siliany Fernandes, demonstra as conquistas que ele e sua família estão vivendo. Agora, Siliany até ganha abraços do garoto, algo que há um ano era restrito apenas aos pais e irmãos.
“Foi surpreendente ver que, em duas semanas de apoio escolar, ele já chamava a cuidadora de titia e passou a gostar de ir para a aula. Agora, ele até abraça ela, coisa que nem tios ou avós conseguiram. Antes, ele tinha crises de agressividade e não ficava nem meia hora na escola comum, corria para o portão da frente e ficava balançando a grade”, conta Renata Cabreira Ortiz, mãe de Nicolas.
Considerada uma das vitórias a ser comemorada em abril, mês da Conscientização Mundial sobre o Autismo, a educação inclusiva é o tema que a Organização Geral das Nações Unidas (ONU) tem usado como marco desde 2022, quando defendeu a necessidade de mais programas educativos e conectados com a sociedade para oferecer às pessoas com autismo melhor possibilidade de escolha para seus futuros.
No Brasil, acredita-se que 1 a cada 50 crianças tenham algum grau de autismo, assim como Nicolas. Os dados são do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, que estima que essa população chegue, atualmente, a 4 milhões no Brasil, embora haja dificuldade de diagnóstico. Ainda segundo o CDC, que utiliza para o Brasil índices semelhantes ao dos EUA, 90% dos brasileiros com autismo não são diagnosticados.
Inclusão
De 2020 a 2021, o Censo Escolar registrou um aumento de 280% no número de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados em escolas públicas e particulares, o que indica que a inclusão tem ocorrido a passos largos no País. O que dá mais esperança para famílias como a de Nícolas, que até 2021, frequentava apenas a educação especial.
“Hoje, ele vai na escola comum duas vezes na semana. Já faz atividades, consegue ler palavras soltas, sabe os números, reconhece as horas e até entende coisas em inglês. Estamos estudando aumentar essa frequência, a única coisa é que ele precisaria entrar e sair antes, porque não consegue lidar com tumultos”, planeja Renata.
Evolução que a profissional de apoio escolar, Siliany Fernandes tem acompanhado de perto.
“É um orgulho ver o quanto ele melhorou e ficou mais calmo, amoroso e faz as atividades. E tudo o que eu faço é passar segurança, dar atenção, carinho e ajudá-lo no que for preciso para acessar o ambiente escolar. Os autistas são muito inteligentes e prestam a atenção no comportamento da gente o tempo todo”, comenta a profissional.
Coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e pesquisadora da área da educação especial, Ana Claudia Lodi ressalta que a educação inclusiva não deve ser apenas aquela que matricula, mas a que acolhe o estudante.
“Acolher é colocar o aluno com deficiência em sala de aula comum e dar condições para que ele aprenda no ritmo dele e em igualdade com os demais, entendendo que essa igualdade não significa que todos aprenderão da mesma forma. Somos seres diversos. Nem todo aluno com deficiência precisará do apoio, mas, para os que necessitam, é uma premissa básica”, observa ela.
E a construção da relação afetiva por meio do apoio prestado faz toda a diferença em casos como o de Nícolas. “Os resultados citados evidenciam que a profissional soube trabalhar a questão mostrando para a criança que ela teria possibilidade de estar ali, que não estava sozinha e que seria apoiada, cuidada. Isso foi o diferencial”, reforça a educadora, que defende ainda um terceiro profissional além do cuidador e do professor em sala de aula. “O acompanhante pedagógico também é importante para alguns casos, mas ele não pode ser entendido como o cuidador da criança, assim como também não pode substituir o professor”, avalia Ana Claudia Lodi.
Apoio
Siliany integra uma equipe de profissionais de apoio escolar que atua na empresa Conviva Serviços como terceirizada da rede pública de ensino nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Espírito Santo. A categoria auxilia estudantes com deficiência na alimentação, locomoção e higiene íntima e bucal, com a missão de contribuir para que o aluno conquiste autonomia, conviva com situações de socialização, desafios e descobertas. Para isso, as equipes são submetidas às constantes capacitações em várias áreas do conhecimento, especialmente em saúde e primeiros socorros.
Diretora da Conviva Serviços, Maíra Pizzo destaca que o profissional que deseja atuar nessa área deve apresentar alguns pré-requisitos, como ser uma pessoa atenciosa, paciente, afetuosa, dedicada e que saiba se adaptar às especificidades de cada indivíduo com deficiência. “Há uma prevalência de mulheres e mães nesta área profissional, pelas próprias características que o atendimento possui. O acolhimento do aluno deve vir em primeiro lugar”, comenta Maíra.
A oferta gratuita do profissional de apoio escolar para alunos com deficiência nas escolas é prevista por leis recentes, reforçadas pela Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e pela a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI).
“É importante incentivar a educação inclusiva, porque a comunidade ainda não aprendeu a lidar com o autismo. Canso de ouvir de outras mães que meu filho não parece autista, porque elas procuram uma característica física nele. Sobre as crises, então, já ouvi muito que era birra, e não é. Sinto na pele que é preciso incluir e, acima de tudo, conscientizar as pessoas sobre o tema”, afirma a mãe de Nícolas.