Normalidade

O pessoal já está falando que estamos voltando à normalidade. Será? Para não pisar na bola (deu-me uma vontade danada de escrever ‘pisar a bola’, mas achei que é muito esnobe), fui procurar, no dicionário, os significados da palavra ‘normal’. Não encontrei nenhuma novidade. É como a gente usa mesmo: De acordo com a norma, com a regra; comum. Que ocorre naturalmente ou de maneira habitual; natural, habitual. Que segue um modelo, normal ou padrão. Que se comporta ou age de uma maneira considerada aceitável ou adequada.

Daí me lembrei de que a moda é dizer que estamos vivendo um ‘novo normal’. Com o mesmo objetivo, fui ao dicionário: proposta de um novo padrão que possa garantir nossa sobrevivência.

Não satisfeito, fui à caça de mais informações: “Novo normal” é uma expressão cunhada por Mohamed El-Erian para caracterizar o fato de que esta crise não é como as que vivemos nas últimas décadas, com repercussões basicamente cíclicas, mas uma crise que provocará uma ruptura estrutural: quando ela passar e as coisas voltarem ao normal, esse não vai ser o mesmo normal de antes. Não reconhecer isso é arriscar a surpresa de se planejar para a volta do normal anterior e se descobrir numa realidade bem diferente.

Depois de tudo isso, eu pergunto: Podemos dizer que voltamos à normalidade ou a viver esse novo normal? Pelo jeito, muitas pessoas nunca deixaram de viver o antigo normal. Para elas, a pandemia foi uma ilusão de ótica, incapaz de afetá-las. Podia afetar o vizinho, o desconhecido, o conhecido, o cachorro do amigo, o inimigo, aquele cara lá do outro continente, os chineses, mas ele, jamais seria afetado por essa coisa. ‘Conversa de político pra prender a gente em casa’. Até quando morreu um parente próximo, essas pessoas não acreditaram. ‘Tão inventando essa doença. Todo mundo morre, um dia’.

Por outro lado, há as pessoas que continuam enclausuradas, impedidas de fazer qualquer atividade. ‘Distanciamento social’, para elas, quer dizer longe do mundo e de qualquer atividade. Preferem morrer de medo a morrer de COVID, de doença. Como se o medo não fosse uma doença terrível.

Tem que existir um meio-termo, né? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, diziam meus avós. Há um jeito saudável de voltar à normalidade sem correr muitos riscos. Há riscos, sim, mas também há riscos ficando em casa. Mesmo sem pandemia, corremos riscos. Os vírus, os bandidos, os ladrões, os assassinos e a depressão estão em todas as partes. Não é porque a gente fica trancado em casa que estamos protegidos. Podemos proteger-nos mesmo fora de casa. Assim como um assaltante pode entrar em nossas casas, a depressão também pode. Para nos proteger do assaltante, colocamos tranca nas portas, alarme por todas as partes e outros cuidados. Para nos proteger da depressão, muitas vezes a melhor solução é sair de casa. Para nos proteger da COVID, enquanto ela existir, é só tomar certos cuidados higiênicos e de distanciamento social. Você não precisa, agora, ir a uma balada, num espaço de cem metros quadrados, com trezentas pessoas que você mal conhece. Estar num ambiente assim, nunca foi muito normal, sempre ofereceu riscos para a saúde e para a segurança.

Na minha profissão, já vivo o novo normal. Recebo meus alunos. Eles e eu estamos de máscara e respeitamos certa distância segura. Posso garantir a vocês que esse novo normal é muito melhor que as terríveis aulas remotas, que fomos obrigados a ministrar durante mais de um ano.

É. O novo normal logo se transformará em normal. E o resto será lembrança, uma triste lembrança.

BAHIGE FADEL

Sobre Fernando Bruder

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