O controle social dos orçamentos públicos

Alguns estudiosos de direito financeiro costumam criticar a falta de planejamento na elaboração dos orçamentos públicos, denominando-os de “peças de ficção”. Essa expressão refere-se ao fato de que a lei orçamentária, salvo raras exceções, cumpriria a função de mera formalidade autorizativa da despesa, sem guardar relação de pertinência com as políticas públicas, o cenário socioeconômico e a programação de longo prazo da Administração Pública.

 

As críticas quanto ao suposto caráter ficcional terminam potencializadas pela ausência de participação social no processo de aprovação das peças orçamentárias.

 

Os anseios e as dificuldades da população deveriam encontrar eco no plano de gastos da Administração Pública. Afinal, se a Constituição Federal estabelece direitos e garantias aos cidadãos, por consequência, cabe ao orçamento público fornecer a fonte de custeio para a implantação de ações governamentais hábeis ao cumprimento desses mesmos direitos e garantias.

 

Nesse sentido, em um cenário de escassez de recursos, a participação social se mostra fundamental, não só para dar a conhecer os problemas que afligem a comunidade, mas também para ajudar a definir as áreas em que os recursos públicos são mais necessários – e, posteriormente, para acompanhar a concretização desse gasto.

 

Nos termos dos arts. 165 e 166 da Constituição da República, aplicado por simetria aos Estados, Municípios e Distrito Federal, compete ao Poder Executivo elaborar a proposta do orçamento público, prevendo as despesas que pretende realizar e quantificando as receitas que lhes servirão de custeio. Terminada essa fase preliminar, a proposta é encaminhada para a aprovação do Poder Legislativo.

 

No âmbito do Parlamento, o projeto pode ser alterado. A depender da esfera da Federação, os vereadores, deputados e senadores podem apresentar emendas ao projeto, fazendo as modificações necessárias. Uma vez aprovado, o orçamento adquire o status de lei de modo que nenhum gasto pode ser realizado pela Administração Pública sem a correspondente autorização orçamentária.

 

A fase de apreciação legislativa é um momento no qual a população pode – e deve – se engajar. Na perspectiva do parágrafo único do art. 1º da Constituição, a participação direta no desenho orçamentário constitui expressão ativa do princípio democrático pelo qual o povo, livremente, escolhe os desígnios das receitas públicas e as direciona de acordo com suas preferências.

 

Aliado a isso existem, no ordenamento, regras que buscam levar a voz de todos os interessados para o centro das deliberações legislativas sobre o projeto de lei orçamentária.

 

Refiro-me ao art. 48, §1º, I, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que prescreve o “incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.” Reforço que, no caso dos Municípios, por força do art. 44 da Lei 10.257/2001, chamada de Estatuto das Cidades, a realização dessas audiências é condição obrigatória para aprovação das leis de orçamento.

 

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), nas fiscalizações ordinárias que faz às Câmaras e às Prefeituras, verifica a realização dessas audiências, buscando assegurar o envolvimento da sociedade nas discussões que antecedem a aprovação do plano de gastos da Administração.

 

Durante tais vistorias, a Corte de Contas, inclusive, aprofunda seus exames, analisando até mesmo o horário de realização das reuniões para recomendar que estas ocorram fora do expediente comercial no intuito de possibilitar a mais ampla participação dos cidadãos.

 

Evidentemente, essa legislação pode ser aprimorada, prevendo, por exemplo, procedimentos mais uniformes e detalhados do funcionamento de tais audiências, seja para racionalizar os debates e discussões, seja para garantir que as propostas emanadas da participação popular venham a ser incluídas no corpo das peças orçamentárias.

 

Não se pode deixar de reconhecer, contudo, que o direito brasileiro conta com institutos de controle social do orçamento. Assim, eventual baixo engajamento da sociedade no processo orçamentário não deve ser atribuído à ausência de previsão normativa.

 

Talvez a falta de informações sobre o direito dos cidadãos de influenciar nesse processo, somada a um certo descrédito sobre a anuência dos legisladores às propostas apresentadas, possa explicar a baixa adesão da sociedade nas audiências públicas sobre os orçamentos.

 

Logo, cumpre aos eleitos para representar a vontade do povo informar a coletividade sobre essa prerrogativa, utilizando para esse fim todas as ferramentas tecnológicas à disposição, radicalizando na transparência. Também, faz-se necessário que os legisladores tomem consciência de que as proposições dos cidadãos não têm natureza suplementar e acessória, mas traduzem expectativas legítimas que devem ser consideradas e, na medida do possível, contempladas pelas leis orçamentárias.

 

      *Dimas Ramalho é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) 

Sobre Fernando Bruder

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