Herança

O Joãozinho chegou com a nota quatro na prova de matemática. O pai chamou-lhe a atenção. Onde se viu isso, menino? Não estudou? Ficou o dia inteiro mexendo no celular com coisas inúteis? Olhe no que deu. Só quatro. Reprovado. O Joãozinho, que, apesar de ser ainda muito novo, já tem a malícia dos experientes, não perdeu a pose. Já tinha a resposta na ponta da língua. Minha nota não foi tão ruim assim, pai. A Maria Lúcia tirou três e meio e o Paulinho, só dois. A minha é o dobro disso. Lógico que ele se esqueceu de dizer que o Lauro e a Sônia tiraram dez. Isso, claro, não tinha a menor importância. Importantes eram as notas da Maria Lúcia e, principalmente, do Paulinho.

Essa história não é ficção. Todos os dias acontecem cenas parecidas. É que é muito mais fácil mostrar quem está pior do que a gente do que analisar por que alguém está melhor, para que um dia a gente chegue ao nível superior. No emprego é a mesma coisa. Você não produziu muito neste mês, diz o gerente ao João Paulo. O João Paulo tem a resposta pronta: o Pedro produziu menos ainda. Ele se esquece de dizer que o Antônio, funcionário inexperiente, produziu muito mais. É mais fácil dizer que um é pior. Mais difícil é tentar melhorar, para se equiparar ao melhor.

Esse preâmbulo é para chegar à política brasileira. O presidente da república, no seu discurso de posse, falou em herança maldita. Herança maldita. Não explicou direito o que é essa herança maldita, mas nos discursos seguintes bateu na mesma tecla: herança maldita. Então, chego à conclusão de que o Brasil é uma herança maldita para o presidente. Desculpem-me, mas não posso concordar. Jamais considerei o Brasil uma herança maldita. Muito pelo contrário. O Brasil é um país abençoado, que não teve muita sorte com alguns governantes.

Qual seria essa herança maldita? A economia? Sou um leito, mas me parece que a economia está relativamente bem, apesar dos problemas internos e, principalmente, externos. A agropecuária? Parece-me que esse setor vai bem, obrigado. O agronegócio tem produzido bem para o consumo interno e externo. A saúde pública? Bem, essa nunca esteve muito bem. Não me consta que tenha piorado tanto nos últimos anos. A educação seria essa herança maldita? Bem, essa vai mal. Ocupamos a 54ª posição no PISA. Lá na rabeira. O analfabetismo entre pessoas até quinze anos de idade é de 6,8%. A média mundial é de 2,6%. É essa a herança maldita, então? Mas eu pergunto: quando é que a educação brasileira esteve melhor? Quando é que fomos destaque no PISA? Quando é que o índice de analfabetismo foi melhor que o atual? Todos sabem que a educação brasileira nunca foi lá essas coisas. Fazem reformas sem o mínimo conhecimento das necessidades e possibilidades da educação. Os maus resultados são previsíveis. Insistem na educação de tempo integral, como se fosse a salvação da lavoura. Mais tempo na escola não é sinônimo de boa educação. O que importa é a qualidade de ensino, não a quantidade de tempo. Só se faz boa educação com bons profissionais, num ambiente preparado para esse fim. Mas isso não é herança maldita. Isso já era assim, ou pior, nos mandatos anteriores do atual presidente.

Então, vamos parar com esse negócio de herança maldita e arregaçar as mangas. O Brasil é um país possível. Tudo de bom é possível no Brasil. Mas não há geração espontânea. É preciso trabalho, planejamento e competência. Discurso não resolve problema.

BAHIGE FADEL

Sobre Fernando Bruder

DEIXAR UM COMENTÁRIO

Política de moderação de comentários: A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro ou o jornalista responsável por blogs e/ou sites e portais de notícias, inclusive quanto a comentários. Portanto, o jornalista responsável por este Portal de Notícias reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Não serão aceitos comentários anônimos ou que envolvam crimes de calúnia, ofensa, falsidade ideológica, multiplicidade de nomes para um mesmo IP ou invasão de privacidade pessoal e/ou familiar a qualquer pessoa. Comentários sobre assuntos que não são tratados aqui também poderão ser suprimidos, bem como comentários com links. Este é um espaço público e coletivo e merece ser mantido limpo para o bem-estar de todos nós.