Acordei triste e pensativo, queria ouvir Rubem Alves nos dias de hoje.
Queria ler sua posição sobre o caos em que estamos, sua criativa narrativa e seus devaneios pedagógicos teopoéticos sobre a dor e a morte. Arrisco-me a imaginar.
Posso imaginar ele citando Riobaldo com suas espertezas simples e profundas sobre Deus: “Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra.
É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar, é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo”. Me fez lembrar Blaise Pascal com a aposta sobre a existência de Deus.
O que nada tem a ver com ivermectina ou cloroquina , que é como aposta cega e burra. Certeza que ele também citaria Cecília Meireles: “Muitas velas, muitos remos, âncora é outro falar, tempo que naveguei não se pode calcular.”
Ele diria que gente feia não percebe o mar. Fica correndo o tempo todo atrás da felicidade. E não percebe o mar. Não vê o mar. Não sente a praia. Gente feia só pensa em poder e dinheiro.
Sem dúvidas citaria Gaston Bachelard. “Não há uma verdade fundamental, apenas há erros fundamentais”. Pensei nos erros de inventar o que não existe.
E não é sobre criatividade, é sobre invencionismo. Teorias malucas. Gente doida mesmo. Rubem foi perseguido pela ditadura de 1964, denunciado pelos próprios irmãos presbiterianos que inventaram um dossiê contra ele com mentiras e invencionismos. O chamaram de subversivo e herege. (Me identifico) Teve de fugir para os E.U.A. ficou exilado lá.
Fez seu doutorado nesse tempo. Hoje estamos retomando a caça aos plantadores de beleza por aqui no Brasil. Os ditadores dão o tom da música a ser tocada. Lembra-me a segunda guerra mundial. Ao som da lista de Schindler. Gente feia, que destrói jardins, gente feia que faz dos professores e da ciência seus inimigos. Gente feia que não gosta de jardins. Rubem diria que os Jardins são sinais do Reino.
Vejam, jardim é lugar de muitas flores, várias espécies, umas altas, outras baixas, umas simples outras esplendidas. É assim, um jardim é plural, multiforme, não tem dono nem regras. Tem apenas o grande Jardineiro que cuida de tudo e respeita a liberdade das plantas. Gente feia tem problema com a pluralidade. Com a desordem natural, que é a ordem mais bonita.
Gente feia mata e pisa naquilo que não lhe é do agrado. Gente feia destrói as coisas que trazem vida e esperança. Outra coisa que acho que Rubem também diria é que gente feia não gosta de pitaia. Tem fruta mais linda? Mas a beleza soa ameaçadora para quem é incapaz de amar a si mesmo e amar o outro. Gente feia vê beleza na feiura. E não é sobre opinião ou gosto. É sobre vida e morte. Gente feia celebra a morte. É indiferente a morte.
Não me refiro a morte natural, que todos passaremos. Para essa, Rubem pedia uma boa morte. Para essa estamos prontos e sabemos que ela não é capaz de nos vencer pois nosso mano Jesus já a derrotou. A morte que me refiro, é aquela que é uma escolha consciente de gente que a promove. É aquela que fica banalizada diante dos nossos olhos e o sangue escorre pelas nossas mãos, enquanto gente feia ri em alto tom. Eu acho que Rubem estaria triste. E cuidaria do seu jardim.
Respeitaria o isolamento. Mas como bom teopoeta, profetizaria contra mal e a maldade. Profetizaria beleza, educação, poesia e jardins. Gente feia ficaria brava com ele.
Renato Ruiz Lopes