Prefeitura repete discurso sem base oficial
Nos últimos dois anos (2024 e 2025), a Prefeitura de Botucatu tem divulgado que o município seria a segunda cidade mais segura do Brasil. O dado, no entanto, não tem origem em nenhum instituto oficial de pesquisa. A administração municipal se apoia em um estudo da empresa MySide, que se apresenta como especializada em tecnologia e serviços imobiliários, sem vínculo com a segurança pública.
O levantamento da MySide considera apenas uma variável: o número de assassinatos por 100 mil habitantes. Além disso, a própria empresa faz ressalvas em seu site:
“O intuito deste relatório não é definir uma verdade absoluta sobre os indicadores, mas sim servir como um guia para pessoas em busca de um imóvel em uma nova cidade.”
Apesar desse aviso, a Prefeitura vem tratando o estudo como se fosse uma classificação oficial e conclusiva.
Especialistas contestam a metodologia
O relatório da MySide vem sendo alvo de críticas de autoridades ligadas à segurança pública. Oséias Francisco da Silva, Presidente da Conferência Nacional das Guardas Municipais do Brasil (CONGM), Mestre em Políticas Públicas e Pós-Graduado em Gestão de Segurança Pública, alerta que a pesquisa é equivocada e pode induzir a erros graves de interpretação.
Segundo ele, não é possível avaliar o nível de segurança de uma cidade com base em apenas um dado isolado.
“O anuário, ele não serve para muita coisa, ou para dizer honestamente, não serve para quase nada as informações que traz no seu relatório, no seu anuário”.
“Outra coisa também importante é que o anuário induz ao erro de interpretação por parte de gestores, imprensa, população em geral, induz a uma interpretação totalmente equivocada ao trazer o tema Cidades Mais Segura do Brasil.”
“Mesmo quando ela segmenta por região, por estado, por quantidade de habitantes, mesmo assim, traz um grande equívoco no anúncio do título desse relatório.”
“Esse anuário trata apenas dos homicídios, assassinatos, a cada 100 mil habitantes. Apenas isso. Não existe relação direta e imediata entre a quantidade de homicídios e a segurança de toda a população. Relacionar mais ou menos assassinatos ou homicídios e chegar à conclusão de que essas cidades são mais seguras ou menos segura é um grande erro de conclusão, a partir da indicação errônea do título desse estudo. Por que a segurança numa cidade é resultado de uma conjugação de vários esforços e de uma análise de vários indicadores, e o indicador assassinato ou homicídio é apenas um deles.”
“Para se chegar à conclusão de que uma cidade é mais ou menos segura, precisa se analisar um leque, um conjunto de indicadores, principalmente que passam pela questão de crimes contra o patrimônio, porque às vezes os crimes contra o patrimônio, roubo, furtos, isso causa uma sensação de insegurança na população. Isso porque se o assassinato estiver relacionado com crimes passionais ou então com crimes em relação a disputas por território, por venda de drogas e entorpecentes, ou por resultado de uma intervenção policial, esses homicídios categoricamente falando, eles não causam uma grande sensação de insegurança na população.”
“Mas os roubos de celulares, carros, motos, roubos à residência, acidentes de trânsito, morte não intencional de jovens, isso causa um impacto muito grande em uma cidade. Então esses indicadores são importantíssimos. Um outro indicador que tem que se levar em consideração para analisar se uma cidade. Então para você chegar numa análise de cidade segura ou cidade menos segura, o indicador homicídio é muito pouco e não dá para chegar à conclusão. Alem disso, esse anuário é produzido por uma empresa, inclusive que trabalha com questões imobiliárias, é um anuário que induz a muitos erros, a falsas conclusões porque apenas relaciona o indicador homicídio, que é importante, porém não pode, a partir dele, chegar a uma conclusão se uma cidade é mais segura ou menos segura.”
O ranking reconhecido nacionalmente
Em contrapartida, o Centro de Lideranças Públicas (CLP), instituto respeitado e com 15 anos de atuação, divulga anualmente o Ranking de Competitividade dos Municípios, considerado uma ferramenta oficial e analítica para auxiliar gestores públicos. Em 2025, foram avaliados 418 municípios brasileiros.
A metodologia avalia 13 pilares e 65 indicadores que abrangem educação, saúde, inovação, meio ambiente, gestão fiscal e, também, segurança pública. Entre os nomes de peso que integram o conselho do CLP estão Luiz Felipe d’Avila, cientista político formado pela Universidade Americana em Paris e mestre pela Harvard Kennedy School; Fábio Barbosa, ex-presidente do Grupo Santander Brasil e da Febraban; e Ana Maria Diniz, ex-diretora do Grupo Pão de Açúcar.
No eixo da Segurança, o ranking utilizou dados oficiais do DATASUS, e avaliou as seguintes variáveis:
- Mortes violentas intencionais (assassinatos);
- Mortes por causas indeterminadas;
- Mortalidade de jovens por razões de segurança;
- Mortalidade nos transportes;
- Morbidade hospitalar por acidentes nos transportes.
A realidade de Botucatu no ranking oficial
No Ranking de Competitividade dos Municípios 2025, Botucatu aparece apenas na 257ª posição a nível nacional, 138ª no Sudeste e 85ª no Estado de São Paulo. Em 2024, o município ocupava posição muito superior, registrando uma queda de 172 colocações em apenas um ano.
Nos indicadores de 2025, a cidade aparece da seguinte forma, em relação aos 418 municípios do Brasil, analisados pela pesquisa:
– 5º lugar em mortes violentas intencionais;
– 408º lugar em mortes por causas indeterminadas;
– 69º lugar em mortalidade de jovens por razões de segurança;
– 244º lugar em mortalidade nos transportes;
– 306º lugar em morbidade hospitalar por acidentes nos transportes.
Conclusão: realidade distante da propaganda
Diante dos dados oficiais, fica evidente que Botucatu não é a segunda cidade mais segura do Brasil, como tem insistido a Prefeitura em suas divulgações.
Embora a população reconheça o esforço das forças policiais no dia a dia, os números demonstram que a cidade ainda enfrenta sérios desafios em segurança pública.
Avanços estruturais, investimentos em prevenção, mais valorização dos policiais e melhores políticas públicas são indispensáveis para que Botucatu se torne, de fato, referência em segurança e qualidade de vida.