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“Bahige FadeL: Com artigo ‘Falar Bem”

Vira e mexe, ouço alguém dizendo para outra pessoa, no momento em que me aproximo: “Tome cuidado com o que vai falar; ele é professor de português.’ E eu penso: Caramba! Devem pensar que eu sou um monstro pronto para devorar alguém que venha a cometer um erro de língua portuguesa. Ledo engano. Não sou assim. Não fico corrigindo as pessoas num bate-papo ou num supermercado. Não corrijo. A não ser que me peçam ou que a fala prejudique a compreensão do conteúdo. Caso contrário, fico na minha. A não ser que a intimidade que tenho com alguém me permita essa liberdade.
Vamos explicar algumas coisas. A linguagem, isto é, o uso da língua, tem várias funções. Vou me ater a duas delas apenas: a referencial ou denotativa, que visa a informar, e a poética, que visa à beleza na forma de transmitir uma mensagem. A pessoa estará falando bem quando conseguir unir essas duas funções, ou seja, transmite uma mensagem com clareza e de forma agradável. Eu sei que beleza é algo relativo. Quando explicava a relatividade da beleza aos meus alunos, invariavelmente, dava dois exemplos: um de Vinícius de Moraes:

‘Eu sem você não tenho por quê
Porque sem você não sei nem chorar
Sou chama sem luz
Jardim sem luar
Luar sem amor
Amor sem se dar…’

Outro de Valdick Soriano:

‘Eu não sou cachorro, não
Pra viver tão humilhado
Eu não sou cachorro, não
Para ser tão desprezado…’

A língua de ambas as músicas é a portuguesa, mas cada autor escolheu um tipo de linguagem para transmitir a ideia do que sentia com a separação. A função referencial está satisfeita em ambas as composições. Já a função poética… Eu prefiro a de Vinícius.
Eu tendo a aceitar todos os tipos de linguagem, desde que não machuquem ou magoem a língua portuguesa. Guimarães Rosa usou uma linguagem diferente da de Olavo Bilac.

“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” (Guimarães Rosa)
“Última flor do lácio, inculta e bela
És, a um tempo, esplendor e sepultura
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela,” (Olavo Bilac)

O que machuca a língua portuguesa são certos vícios, como o de um diretor de escola que conheci, aqui em Botucatu. Ele dizia para os alunos: ‘Mais respeito e menas confiança.’ E os alunos riam. Ou aquele locutor de rádio: ‘Houveram várias prisões.’ E olhe que já expliquei para esse bom locutor que o verbo haver, com o sentido de existir, ocorrer, é impessoal e, por isso, não tem sujeito. Deve ficar na terceira pessoa do singular: Houve várias prisões. Se trocar por ocorrer, muda de figura. O que era objeto direto com o verbo haver vira sujeito com o verbo ocorrer. Daí, o verbo concorda com o sujeito: Ocorreram várias prisões.
Pois é, falar bem não é falar chique. Falar bem é respeitar as funções da linguagem, sem magoar a língua. É só ter um pouco de cuidado.

Bahige Fadel

Sobre Fernando Bruder

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