Botucatu cai no Índice de Efetividade do TCE e, no dia seguinte, é premiada como “Cidade Excelente”

Botucatu viveu, em dois dias consecutivos, uma contradição que chamou atenção de técnicos, servidores e cidadãos atentos à gestão pública. No dia 13 de outubro de 2025, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) divulgou o resultado mais recente do Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEG-M), com dados de 2024. O município recebeu nota C+, uma das piores avaliações da última década, evidenciando queda na efetividade da administração local.

Apenas 24 horas depois, em 14 de outubro, Botucatu subiu ao palco para receber o Prêmio “Band Cidades Excelentes”, promovido pelo Grupo Bandeirantes e pelo Instituto Áquila, sendo anunciada como destaque estadual entre cidades acima de 100 mil habitantes, com nota 76,66 — avaliação que, segundo os organizadores, mede praticamente os mesmos eixos de gestão analisados pelo TCE: educação, saúde, governança, planejamento e sustentabilidade.

Evolução do IEG-M de Botucatu (2015–2025)

Ano Nota Geral Classificação

2015 B+ Boa
2016 B+ Boa
2017 B+ Boa
2018 B Regular
2019 B Regular
2020 B Regular
2021 B Regular
2022 B Regular
2023 B Regular
2024 B Regular
2025 C+ Baixa Efetividade

A queda para C+ em 2025 rompe uma sequência de estabilidade e indica fragilidade na efetividade das políticas públicas locais — especialmente em áreas como planejamento (I-Plan), que despencou de B em 2024 para C em 2025, e educação (I-Educ), que manteve C+, sem melhora desde 2024.

Em contraste, o prêmio concedido pelo Grupo Bandeirantes e pelo Instituto Áquila classifica Botucatu como “excelente” em praticamente os mesmos eixos avaliados.

Questionamentos sobre a legitimidade e transparência do prêmio

O Instituto Áquila, responsável técnico pela metodologia do prêmio “Cidades Excelentes”, apresenta-se como uma consultoria privada de gestão, com atuação no setor público e privado. De acordo com informações institucionais, seus fundadores — entre eles Raimundo Godoy, ex-executivo da Ambev e atual consultor de administração pública — desenvolvem metodologias de gestão aplicadas inclusive em prefeituras e governos estaduais.

A situação levanta dúvidas legítimas:

Há conflito de interesse se o mesmo instituto que presta consultoria a municípios também é o avaliador de uma premiação nacional que elege “as melhores gestões”?

Qual a metodologia completa utilizada pelo Índice de Gestão Municipal Áquila (IGMA)?

Os dados avaliados são realmente públicos e auditáveis, ou incluem informações enviadas pelas próprias prefeituras interessadas no prêmio?

E, principalmente, quem audita o Áquila?

O Tribunal de Contas do Estado usa metodologia pública, auditada e com dados oficiais do próprio sistema estadual de controle, enquanto o IGMA — base do prêmio da Band — é de natureza privada e não disponibiliza publicamente a fórmula de cálculo detalhada por município.

Em outras palavras: o mesmo município que, aos olhos do controle técnico oficial, tem gestão “de baixa efetividade”, é consagrado 24 horas depois como modelo de excelência — sem transparência plena sobre os critérios de avaliação.

Diferenças gritantes entre as notas por área

  • A análise detalhada das áreas mostra inconsistências com o discurso de “excelência”:
  • Planejamento (I-Plan): caiu de B (2024) para C (2025).
  • Educação (I-Educ): manteve C+, sem recuperação desde 2024.
  • Saúde (I-Saúde): estagnada em B há cinco anos.
  • Gestão Ambiental (I-Amb): permaneceu em B, abaixo de anos anteriores (quando alcançou A).

Enquanto isso, o IGMA do Instituto Áquila concedeu nota 76,66, equivalente a uma avaliação “excelente”, mesmo sem apresentar publicamente os pesos e fórmulas que levaram ao resultado.

Risco de “marketing institucional” mascarar problemas reais

A proximidade temporal entre a divulgação do índice do TCE e a entrega do prêmio televisivo levanta suspeitas sobre o uso político de premiações privadas para contrabalançar indicadores oficiais negativos. Sem fiscalização pública sobre a metodologia do IGMA, há risco de que prêmios desse tipo funcionem como ferramentas de autopromoção de gestões, e não de melhoria real de políticas públicas.

Especialistas em gestão pública alertam que o reconhecimento deve vir de órgãos independentes e auditáveis, e não de consultorias que atuam no mesmo setor que avaliam.

O que diz o Grupo Áquila e a Band

Até o fechamento desta edição, o Instituto Áquila e o Grupo Bandeirantes não haviam divulgado publicamente a lista completa de municípios atendidos por consultorias do Áquila, tampouco informações sobre auditorias independentes do prêmio “Cidades Excelentes”.

A Rede Alpha de Comunicação tentou contato com o Instituto Áquila para solicitar informações sobre eventuais contratos ou consultorias em Botucatu e região, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Sobre Fernando Bruder

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