Coluna Bahige Fadel

Violência

Caramba! O mundo, que eu saiba, nunca foi pacífico. O instinto beligerante do ser humano sempre prevaleceu. A lei da selva nunca deixou de ser adotada. É a lei do mais forte. Força é poder. Isto é, quem tem a força pode fazer o que bem quer. Com altos e baixos, essa lei nunca deixou de existir. Começou lá nos primórdios, com Abel e Caim. E eles eram irmãos. Prevaleceu o mais forte. Abel, coitado, foi derrotado pelo próprio irmão.

Vejam as guerras que ocorreram ao longo da história da humanidade. A China deve ser o país que mais participou de guerras. Em cada uma delas, milhões de mortos. Só na Rebelião Taiping há em torno de 70 000 000 de mortos. Sim, numa guerra pelo poder, no século dezenove, em catorze anos mataram pessoas que correspondem a um terço da população brasileira. Na Segunda Guerra Mundial, em seis anos, morreram mais de 80 000 000 de pessoas. Na Primeira Guerra Mundial, em quatro anos, em torno de               30 000 000 de mortos. Na Guerra Civil Russa, de 1917, quase 10 000 000 de mortos. O Brasil também não se viu livre dessa luta pelo poder. É só ver os livros de história: a Revolução Constitucionalista de 32, a Guerra de Canudos, de 1896; a Insurreição Pernambucana, de 1645; a Revolta de Beckman, de 1684; a Guerra dos Palmares, de 1630; a Guerra dos Emboabas, de 1707; a Revolução Farroupilha, de 1835; a Guerra do Contestado, de 1912.  E por aí vão as guerras em todos os lugares do mundo. E por quê? Para mostrar força. Para impor suas ideias. Para dominar.

E essa violência não para. Violência de todas as formas. Violência manifestada por palavras que provocam violência física, e que também revelam o desejo de poder, de domínio, como a que vimos recentemente no Brasil, ao ameaçarem a vida da família do senador Moro. Violência inexplicável de um adolescente de 13 anos de idade, que entra numa escola e mata uma professora de mais de setenta anos. Como explicar? Loucura? Deficiências na educação? Falta da família? E como explicar a violência de um torcedor de futebol do Rio Grande do Sul, que entra no campo, segurando nos braços uma filha pequena, para agredir a um jogador do time adversário? Como explicar? Ainda bem que o jogador agredido não teve a mesma atitude do agressor, o que não causou maiores danos físicos para a criança. Apenas os danos físicos, porque os psicológicos, o pai não teve a preocupação de evitar.

Como acabar com tudo isso? Infelizmente, não há solução em curto prazo. E lamento dizer que nem em longo prazo vislumbro uma solução. Como fazer com que uma pessoa, de uma hora para outra, passe a respeitar a si mesma e ao próximo? Como fazer para que as pessoas respeitem o espaço dos outros? Como fazer com que as pessoas passem a aceitar as derrotas como um aprendizado para o aperfeiçoamento? Como fazer para que, de repente, as pessoas prefiram a paz, a  harmonia, a concórdia, o entendimento, a tranquilidade? Há um jeito? Ainda não descobri. Mas eu não desisto. Continuo fazendo a minha parte. Só não sei se isso é suficiente.

BAHIGE FADEL

Herança

O Joãozinho chegou com a nota quatro na prova de matemática. O pai chamou-lhe a atenção. Onde se viu isso, menino? Não estudou? Ficou o dia inteiro mexendo no celular com coisas inúteis? Olhe no que deu. Só quatro. Reprovado. O Joãozinho, que, apesar de ser ainda muito novo, já tem a malícia dos experientes, não perdeu a pose. Já tinha a resposta na ponta da língua. Minha nota não foi tão ruim assim, pai. A Maria Lúcia tirou três e meio e o Paulinho, só dois. A minha é o dobro disso. Lógico que ele se esqueceu de dizer que o Lauro e a Sônia tiraram dez. Isso, claro, não tinha a menor importância. Importantes eram as notas da Maria Lúcia e, principalmente, do Paulinho.

Essa história não é ficção. Todos os dias acontecem cenas parecidas. É que é muito mais fácil mostrar quem está pior do que a gente do que analisar por que alguém está melhor, para que um dia a gente chegue ao nível superior. No emprego é a mesma coisa. Você não produziu muito neste mês, diz o gerente ao João Paulo. O João Paulo tem a resposta pronta: o Pedro produziu menos ainda. Ele se esquece de dizer que o Antônio, funcionário inexperiente, produziu muito mais. É mais fácil dizer que um é pior. Mais difícil é tentar melhorar, para se equiparar ao melhor.

Esse preâmbulo é para chegar à política brasileira. O presidente da república, no seu discurso de posse, falou em herança maldita. Herança maldita. Não explicou direito o que é essa herança maldita, mas nos discursos seguintes bateu na mesma tecla: herança maldita. Então, chego à conclusão de que o Brasil é uma herança maldita para o presidente. Desculpem-me, mas não posso concordar. Jamais considerei o Brasil uma herança maldita. Muito pelo contrário. O Brasil é um país abençoado, que não teve muita sorte com alguns governantes.

Qual seria essa herança maldita? A economia? Sou um leito, mas me parece que a economia está relativamente bem, apesar dos problemas internos e, principalmente, externos. A agropecuária? Parece-me que esse setor vai bem, obrigado. O agronegócio tem produzido bem para o consumo interno e externo. A saúde pública? Bem, essa nunca esteve muito bem. Não me consta que tenha piorado tanto nos últimos anos. A educação seria essa herança maldita? Bem, essa vai mal. Ocupamos a 54ª posição no PISA. Lá na rabeira. O analfabetismo entre pessoas até quinze anos de idade é de 6,8%. A média mundial é de 2,6%. É essa a herança maldita, então? Mas eu pergunto: quando é que a educação brasileira esteve melhor? Quando é que fomos destaque no PISA? Quando é que o índice de analfabetismo foi melhor que o atual? Todos sabem que a educação brasileira nunca foi lá essas coisas. Fazem reformas sem o mínimo conhecimento das necessidades e possibilidades da educação. Os maus resultados são previsíveis. Insistem na educação de tempo integral, como se fosse a salvação da lavoura. Mais tempo na escola não é sinônimo de boa educação. O que importa é a qualidade de ensino, não a quantidade de tempo. Só se faz boa educação com bons profissionais, num ambiente preparado para esse fim. Mas isso não é herança maldita. Isso já era assim, ou pior, nos mandatos anteriores do atual presidente.

Então, vamos parar com esse negócio de herança maldita e arregaçar as mangas. O Brasil é um país possível. Tudo de bom é possível no Brasil. Mas não há geração espontânea. É preciso trabalho, planejamento e competência. Discurso não resolve problema.

BAHIGE FADEL

Insegurança

Fazia tempo que eu não escrevia uma crônica. E não é por falta de tempo. Nunca tive tanto tempo na vida. Aposentado completamente, tempo é que não falta. O motivo é outro. Insegurança. Sim, tenho me sentido um tanto inseguro. Não é uma coisa do outro mundo. Não estou precisando dormir com luz acesa. Mas não me sinto seguro para escrever sobre determinados assuntos.

Já devo ter me sentido inseguro muitas vezes. E não estou me referindo àquela insegurançazinha em dia de prova de matemática. Isso é coisa leve. Insegurança maior. A primeira, possivelmente, aos cinco anos de idade. Nem me lembro bem, mas deve ter sido barra pesada. Foi quando vim ao Brasil com a minha família. País novo, língua desconhecida, pessoas diferentes. Não deve ter sido fácil.

Outra insegurança – dessa me lembro muito – foi aos onze anos de idade. Foi quando, para estudar, vim morar na pensão Santana, em Botucatu. Eu e meu irmão. Eu com onze anos, ele com treze. Tinha pesadelos. Chorava. Meu irmão tentava me ajudar, mas fazer o quê? Ele tinha que lidar com as inseguranças dele. Deve ter sido a pior época de minha vida.

Depois, já adulto, quando tive que escolher uma profissão. Meus pais, durante a vida inteira, ‘treinavam’ minha cabeça para que tivesse determinada profissão, mas, quando chegou a hora da decisão, vi que era impossível. Não foi fácil. Embora tenha dado muito certo. Ser professor foi um prêmio para mim. Realizei-me na profissão e galguei vários postos na área da educação.

Outro momento de insegurança foi no regime militar. Eu era jornalista e professor, nessa época. No rádio, sabia o que podia ser dito e o que não podia. Temeroso de represálias, segui as normas da época. Só tive um pequeno problema no dia em que resolvi noticiar uma passeata contra o regime dos alunos da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu. Como professor, a gente ficava na corda bamba. Era preciso equilibrar-me para não cair. Eu sabia, por exemplo, que era um perigo declamar, em sala de aula, o poema Operário em construção, de Vinícius de Moraes. Vinícius tinha sido cassado e o poema não era bem visto pelo regime. Mas acho que me dei bem. Tomei cuidados, sem me despersonalizar.

Agora, já idoso, quando deveria estar com o burro na sombra, estou me sentindo inseguro. Não estou certo do que posso criticar na política. Não que tenha críticas tão contundentes para fazer. Já passou esse tempo. O tempo das lutas por ideias e ideais já passou. Acho que ganhei o direito de viver com sossego e paz. Assim mesmo, tenho me sentido inseguro. Não tanto por mim, mas pelos outros. Por meus filhos e netos. Que Brasil eles terão? Terão um Brasil de liberdade, tranquilidade e desenvolvimento? Tomara que sim. Todos os brasileiros merecem um pouco de paz.

BAHIGE FADEL

 

Eu quero Paz

Alguns dias fiquei meditando sobre um tema para uma crônica. Um tema atual. Um tema que esteja na boca e nos pensamentos das pessoas. Estava difícil. Escrever sobre o quê? Todos os fatos ‘importantes’ só se referem a ódio, a violência, a intransigência. Todos os personagens se sentem na obrigação de demonstrar poder, força. Todos têm sede de poder. Todos querem ser importantes. Indispensáveis. Únicos. Insubstituíveis. E quando esse poder é ameaçado, viram feras. E não estou falando da esquerda ou da direita, de bolsonaristas ou lulistas, de vitoriosos ou derrotados. Estou falando das pessoas. Ser da situação ou da oposição é circunstancial. Uma hora é uma coisa, outra hora muda. Estou falando de atitudes, de pensamentos, de falas, de sentimentos das pessoas. É disso que eu falo. Se são da esquerda ou da direita, não estou nem aí. Sempre defendi a ideia de que qualquer tipo de governo pode ser bom, desde que as pessoas que estão no poder sejam boas, sejam competentes, tenham espírito público, sejam honestas e tenham boas intenções. Se o governo parte do princípio de que deve trabalhar pelo povo, para a felicidade da população, não importa muito como alcançará esse objetivo. Portanto, salvo melhor juízo, não é essa a questão.

Finalmente, depois de muito meditar, encontrei o tema. Assunto atual, interessa a todos. O que eu quero para os dias de hoje é paz. Quero paz nos pensamentos e nos sentimentos. Quero paz nas palavras e nas ações. Quero a paz que conforta. Quero a paz que une. Quero a paz que constrói coisas boas. Quero a paz que permite bons sonhos. Quero a paz que desenha esperança de melhores dias. Quero a paz fraterna. Quero a paz que me permite amar sem medo. A falar sem medo. A agir sem medo. A respirar sem medo. A viver sem medo.

Não quero mais nada. Não preciso de mais nada. Não preciso que pensem por mim. Sou dono dos meus pensamentos. Não preciso que façam por mim. Sou dono de minhas ações. Não preciso que falem por mim. Sou dono de minhas palavras. Mas se quiserem me dar a mão, para multiplicar a paz de cada um, aceitarei. Iremos juntos no mesmo sentido. E saberemos sorrir. E saberemos conviver, mesmo que sejamos diferentes. Mesmo que pensemos de forma diferente. Desde que as diferenças nos ajudem a ver melhor, a agir melhor, a pensar melhor. As diferenças devem servir de escadas, para que todos possam subir, não como túmulo, onde todos acabarão sendo enterrados.

Eu quero paz. Tenho certeza disso. Não a paz dos mortos. Eu quero a paz dos que querem viver felizes e fazem questão de que os outros também sejam felizes.

BAHIGE FADEL

Corpo Adolescente

Depois de percorrer quase todos os meses dos meus setenta e cinco anos, descobri algo preocupante. Estou com um corpo de adolescente. Verdade! Corpo de adolescente. Não, meu amigo, não é o que você está pensando. Não estou correndo cem metros em doze segundos, como fazia aos catorze anos de idade. Longe disso. Bem longe. Meu corpo virou adolescente porque ficou rebelde, desobediente, irritadiço, mal-humorado. Não me respeita mais. Minha cabeça lhe pede para ficar de pé, mas ele só quer ficar deitado. Minha cabeça lhe pede para fazer alguns exercícios físicos, só pra não ficar totalmente sedentário, mas ele não está nem aí. Quer ficar deitado. Deu até de ficar mexendo no celular o dia inteiro, coisa que minha cabeça não suporta. Discussões intermináveis por causa disso. Infelizmente, na maioria das vezes, ele vence. Está difícil aguentar esse adolescente.

Aliás, foi esse o principal motivo de minha cabeça ter tomado uma das maiores decisões dos últimos tempos. Depois de tanto tempo, resolvi me aposentar de vez. Deixei de ministrar aulas. Minha última aula foi numa sala de pré-vestibular. Tomara que tenha sido útil. Expliquei alguns livros que estavam sendo pedidos para o vestibular da UEL. Quando disse aos alunos que era a última aula que eu ministraria, deu um nó na garganta. Não é fácil. Estava terminando uma jornada que completava cinquenta e quatro anos. Professor desde 1968. É tempo pra caramba. Não raras vezes, alunos diziam que seus pais tinham sido meus alunos. E alguns ainda diziam que seus avós haviam sido meus alunos.

Quando comecei a dar aulas, no SENAC, o presidente do Brasil era Costa e Silva. Lembra? Regime militar. Os diretores das escolas nos pediam para termos cuidado com o que falávamos na sala de aula. A gente podia explicar Vinícius de Moraes, mas nem citava o poema OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO. Diziam que esse poema incitava à greve. E naquele tempo, as greves eram proibidas. Durante esse tempo todo, sobrevivi a presidentes bons e presidentes ruins. Nossa! Vocês se lembram do presidente José Sarney? Meu Deus! A inflação mensal superava os 80%. Se a gente fizesse as compras à tarde, pagava mais do que o preço da manhã. O remarcador de preços do supermercado era o emprego mais garantido. Trabalhava o dia inteiro.

E não era só isso. Eu era professor em Pardinho e Itatinga. Só que as estradas não eram asfaltadas. Lama na chuva, pó na seca e buracos todos os dias. Barra pesada! Um dia, precisei pedir emprestados sapatos ao Jorge, que era inspetor de alunos do Danúzia, em Itatinga, já que os meus estavam cheios de lama, pois precisei empurrar a perua de transporte.

Só que naquele tempo, meu corpo não era adolescente. Fazia tudo que minha cabeça queria. Hoje, nem pensar. A última aula que ministrei foi sobre o livro CARTAS CHILENAS, de Tomás Antônio Gonzaga. Expliquei para os alunos que pretendiam entrar na UEL o que o Critilo escrevia para o amigo Doroteu. O alvo das críticas era o corrupto fanfarrão Minésio. Para resolver o problema, só sendo independente. Não deu certo. Os heróis foram traídos. Minha última aula foi sobre o desejo de liberdade.

Vou sentir saudade. Tomara que também tenha deixado saudade. Tomara.

BAHIGE FADEL

O Sal

Há alguns dias, recebi um vídeo interessante. Um comunicador afirmava que devemos ser como o sal: imperceptíveis  na presença e notados na ausência. E deu como exemplo o fato de você saborear uma picanha – não é a picanha virtual do presidente eleito – assada no ponto certo. Se o sal da picanha está lá, todos falam: Que picanha saborosa! E até elogiam o churrasqueiro. Ninguém diz: Mas que sal delicioso! Se o sal está lá, valoriza a picanha, mas ninguém nota a sua presença. Mas se o churrasqueiro se esquece de colocar o sal, o que acontece? Todos reclamam: Está faltando sal. E a picanha não é saboreada, por melhor que ela seja, pois está faltando o sal.

Diz o comunicador que com as pessoas deveria ser assim também. Na presença, devemos ser imperceptíveis, mas na ausência, devem achar falta da gente.

Depois de algum tempo, comecei a ficar intrigado com a opinião do comunicador, que, aliás, cita até a bíblia: ‘Sois o sal da terra.’ Comecei a pensar que isso é apenas uma meia verdade. E a gente deve tomar muito cuidado com as meias verdades. Elas são muito perigosas. Elas podem ocultar uma grande mentira. Aliás, as meias verdades são mais perigosas do que as mentiras inteiras. As mentiras inteiras a gente logo nota e se afasta delas ou as combate com verdades inteiras. Já as meias verdades podem nos enganar. Na ilusão de que são verdades, podemos não perceber a mentira que elas incluem.

Você deve estar meio intrigado, não é, caro leitor? Pois não fique. Vou explicar. Ser imperceptível na presença quer dizer que a gente não deu uma grande mancada, mas também não fez nada de tão significativo. Quando fazemos algo importante, somos notados na presença. Se uma pessoa salva uma criança de um afogamento, o que acontece? Todos notam e admiram a pessoa que arriscou a sua vida para salvar a criança. Vamos para um exemplo mais do dia a dia. Sou professor e gostaria de ser admirado pela aula que ministro. Não quero que esperem a minha morte (ausência) para que se lembrem de mim. Outro exemplo. O Pelé, que foi o maior jogador de futebol do mundo, foi admirado enquanto marcava seus belíssimos gols. Foi na presença que ele foi notado. Notado pelos companheiros e pelos adversários. Quando ele entrava em campo, os torcedores de seu time achavam que o jogo estava ganho. Já os adversários torciam para que ele não estivesse num dia inspirado. Hoje temos muita saudade de tudo eu ele fazia em campo.

Não quero dizer que sou totalmente contrário às ideias do vídeo. Não. Devemos ser, sim, como o sal. O sal valoriza o alimento em que se encontra. Ou prejudica. Depende da dose colocada. Isso nos leva a refletir sobre o fato de que devemos ser úteis aos outros. Devemos ajudar, não prejudicar o próximo. Mas não precisamos ser incógnitos para isso. É bom termos nosso trabalho reconhecido no momento da execução, para que sejamos estimulados a fazer mais e melhor. Isso não exclui a pessoas que praticam o bem, sem serem notadas. Tudo é válido, desde que o bem prevaleça.

BAHIGE FADEL

Infelicidade

Tomara que eu esteja errado, mas as pessoas não estão felizes. Não estão. Nem vencedores nem vencidos. A gente vê na expressão do rosto. Não há felicidade. A pessoa verdadeiramente feliz não quer ou pede vingança. A pessoa verdadeiramente feliz não quer a infelicidade do outro. A pessoa verdadeiramente feliz quer compartilhar sua felicidade. Assim, ela precisa de outras pessoas felizes. Ninguém se sente bem na tristeza. Ninguém pode ter felicidade em meio ao ódio. E o que a gente vê? Ódio. Ódio com motivo e ódio sem motivo. Ódio pelo prazer de odiar. Ódio pelo desejo de que a outra pessoa se sinta menor. Ódio disfarçado. Ódio camuflado. Ódio escondido atrás de sorrisos forçados. Ódio oculto na sombra de atitudes aparentemente ingênuas.

Outro dia, um grupo de pessoas estava zombando de uma outra pessoa. Disse a elas que aquilo não era bom, que aquilo estava humilhando a vítima. Em meio a sorrisos, o grupo de pessoas me disse que eu não sabia de nada, que a vítima era um amigo, que eles estavam apenas brincando. E eu argumentei que a vítima, que era, segundo eles, um amigo, não estava se divertindo, que não estava se sentindo confortável. O grupo zombador me disse que eu não entendia nada dos dias atuais, que eles sabiam o que estavam fazendo.

Ante tal afirmação, calei-me e fui embora. Não queria continuar presenciando aquela cena: um grupo se divertindo às custas de uma pessoa. Faz sentido? Claro que não. Se era um amigo, teria que estar divertindo-se junto. Um amigo não pode ser vítima da diversão de outros amigos. É humilhante. É desrespeitoso. E as pessoas que precisam humilhar para se sentirem felizes têm algo de errado. E esse erro está relacionado ao ódio, à infelicidade. Só que isso está sendo visto como normal. ´É pra enturmar, professor!’. Pra enturmar, uma ova! Isso é pra espantar. Não se enturma humilhando alguém. Quando você humilha, está demonstrando ódio, desprezo, desejo de afastar a pessoa.

Como escrevi no início da crônica, tomara que eu esteja errado. Tomara que o que ando vendo na sociedade não passe de ilusão. Tomara que as pessoas estejam, de fato, procurando amar-se, procurando valorizar os outros, procurando fazer com que os outros se sintam felizes. Tomara que o ódio manifestado na campanha eleitoral seja apenas encenação, seja apenas disfarce. Tomara que seja tudo o contrário do que aparentou ser. Tomara que todos desejem a paz, a tranquilidade, a fraternidade. Tomara que todos estejam dispostos a fazer o que estiver ao seu alcance para a felicidade coletiva. Tomara. Assim, terei prazer em perceber que estou errado e serei feliz por isso.

BAHIGE FADEL

Esperança

Ufa! Finalmente, as eleições acabaram. Os vitoriosos comemoram. Os derrotados curam as feridas. Pelo menos, o desfile de acusações terminou. Terminou mesmo? Tomara que sim. Ninguém estava mais aguentando o tiroteio de acusações. Num determinado momento, comecei a achar que no Brasil não existem pessoas boas. Corrupto, assassino, ladrão, bandido, nazista, genocida, chefe de quadrilha, diabo, satanás, capeta, belzebu, chifrudo, coisa-ruim, tinhoso, lúcifer, canhoto, anjo das trevas, cão, besta…

Tomara que tudo isso tenha acabado mesmo. Tomara que aconteça o mesmo que ocorre nas lutas de judô. Os adversários usam todas as estratégias possíveis para vencerem. Terminada a luta, ambos fazem reverência em sinal de respeito e o derrotado toma a iniciativa de cumprimentar o vencedor. Vencedor e vencido não se tornam inimigos. Ou devem agir como Federer e Nadal no tênis. Os dois grandes adversários nessa modalidade. Na quadra, fazem tudo para vencer. Gastam todas as suas energias. Depois, grandes amigos. Ambos se respeitam e se admiram.

Não, caro leitor. Não sou tão ingênuo assim. Não vão pensar que estou achando que desejo que Lula e Bolsonaro fiquem amigos. Não cheguei a tanto. Mas posso ter a esperança de que lulistas e bolsonaristas não deixem de ser amigos, só porque têm opiniões políticas diferentes. Isso não é desejar demais, né? Você não conhece palmeirenses que são amigos de corintianos? Eu conheço. Não é parecido? Ou você acha que só porque seu candidato foi derrotado, agora você vai ficar torcendo para que tudo dê errado no Brasil? Você vai querer dividir o país em derrotados e vitoriosos? Acho que ambos os lados querem a mesma coisa: desenvolvimento, bons salários, emprego, liberdade, progresso. Todos querem a mesma coisa. Não precisam trocar beijos, mas podem trocar esperanças.

Afinal de contas, somos todos brasileiros, e como se sabe, brasileiro, profissão esperança. Eu ainda não perdi a minha. Não sou favorável à ideia de que amigo não tem defeito, mas se o inimigo não tiver defeitos, a gente inventa um. Isso não ajuda nem resolve problemas. É preciso consciência coletiva. É preciso consciência de nação. Caso contrário, não haverá esperanças. E eu não quero perder a que eu tenho.

BAHIGE FADEL