Relatos de brasileiros que vivem a traumática experiência da paralisia do sono

“Eu tive essa sensação pela primeira vez aos nove anos. Acabei dormindo enquanto estava assistindo televisão no quarto. Em meio ao sono, abri meus olhos e vi vários vultos vindo em minha direção. Eu tentava gritar, mas ninguém me ouvia. Eu tentava me mexer e não conseguia. Isso durou alguns minutos”, relata a fotógrafa Bianca Machado, de 23 anos.

A partir da primeira experiência, ela passou a viver constantes momentos em que teve o sono interrompido pela assustadora sensação de acordar, não conseguir se mexer e avistar vultos.

Sensação semelhante à vivida com frequência por Bianca é descrita por várias outras pessoas. “Comecei a passar por isso ainda na infância. Eu sentia alguém me observando e depois se sentando ao meu lado, em meu colchão. Não conseguia me mexer, ficava totalmente imóvel e sempre pensava que eu fosse morrer”, relata o músico e técnico em eletrônica Jairo Estevam, de 60 anos.

“Tenho isso há 25 anos. A primeira vez aconteceu quando eu estava dormindo no banco de trás do carro, durante uma viagem. Quando abri os olhos, ouvia tudo o que minha família conversava, mas não conseguia me mexer, apesar de tentar muito. Depois de um tempo, finalmente acordei. Após esse dia, passei a ter aquela sensação estranha com frequência. Dois anos depois, comecei a ver coisas horrendas, como monstros”, narra a relações públicas Priscila Matos, de 35 anos.

Bianca, Jairo e Priscila têm paralisia do sono, condição na qual o indivíduo desperta, mas é incapaz de realizar qualquer movimento corporal voluntário, pois os músculos não respondem — é como se você estivesse em parte acordado, mas seu corpo ainda estivesse dormindo. A paralisia pode envolver situações como o aparecimento de vultos ou criaturas assustadoras.

Sergio Victor StelletDireito de imagem ARQUIVO PESSOAL
Sergio Victor viveu a experiência pela primeira vez aos 14 anos

“A paralisia do sono causa a incapacidade de falar ou mover os membros, tronco e cabeça, mesmo com a sensação de consciência preservada sobre o que está acontecendo”, explica o psiquiatra Alexandre Azevedo, membro do Programa de Transtornos do Sono, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

A paralisia acontece quando o indivíduo desperta do estado mais profundo do sono, denominado REM (rapid eye moviment, em português, movimento rápido dos olhos). Ela pode durar segundos ou alguns minutos.

“Quando despertamos, existe uma ativação sincrônica entre o cérebro e a medula, responsável pelo movimento corporal. Mas quando há a paralisia do sono, há um desbalanço, no qual o cérebro acorda, mas o comando de despertar é bloqueado para a medula. Não acontece a sincronia e há apenas a ativação cerebral, não a medular, por isso a pessoa não consegue se mexer”, diz o neurologista Alan Eckeli, especialista em Medicina do Sono e professor da USP de Ribeirão Preto.

De acordo com a Academia Americana de Medicina do Sono, há estudos que apontam que entre 15% a 40% de determinada população podem vivenciar alguma situação de paralisia do sono ao longo da vida. As estimativas, segundo especialistas, variam conforme a população estudada, em razão de itens como os fatores culturais e étnicos.

A paralisia do sono

Há diversos relatos sobre paralisia do sono ao longo da história, em diferentes populações. “Esse fenômeno biológico está relatado na história em diferentes momentos, desde a antiguidade. Em todo o mundo já houve relatos de paralisia do sono”, relata Eckeli.

Há inúmeros fatores que podem fazer com que a pessoa tenha paralisia do sono. Para muitos especialistas, trata-se uma característica genética. Estudos também apontam que ela pode ser influenciada por situações como constante estresse, privação do sono — quando o indivíduo dorme menos de sete horas por dia —, consumo de bebidas alcoólicas em excesso e utilização de medicamentos para induzir o sono, sem orientação médica.

A paralisia do sono também pode estar relacionada a doenças psiquiátricas como transtorno de ansiedade, depressão e síndrome do pânico.

Bianca MachadoDireito de imagem: ARQUIVO PESSOAL
Bianca Machado diz que já teve episódios em que via vultos vindo até ela

O fenômeno é muito comum em indivíduos que possuem narcolepsia, transtorno no qual a pessoa tem sonolência intensa ao longo do dia, mesmo que tenha dormido bem durante a noite.

Nem todos os casos de paralisia envolvem alucinações, há situações em que a pessoa apenas não consegue se mexer. Porém, as experiências alucinatórias — que podem ser auditivas, visuais ou táteis — são recorrentes e, segundo estudos, podem estar presentes em até 75% dos casos.

As experiências relatadas durante a paralisia do sono são diversas. Há pessoas que veem diferentes vultos, outras que sentem alguém se aproximando, há quem sinta um bicho com características assustadoras em cima de si, entre outros diversos tipos de relatos.

As alucinações durante a paralisia, conforme os estudos, podem acontecer porque pouco antes de despertar, a pessoa estava no estágio mais profundo do sono, onde acontecem os sonhos mais vívidos.

No limiar do sonho

Bianca Machado comenta que entre as experiências mais assustadoras que já vivenciou durante a paralisia do sono está a vez em que ela teve a sensação de que seria morta. “Um homem falou comigo e muitos vultos começaram a aparecer. Eles queriam me pegar, me matar e eu fiquei desesperada para acordar. Quando consegui me mover, estava com uma crise de ansiedade muito forte e com uma tristeza imensa”, relata.

Ela conta que há dois anos passou a ter a sensação de sair do próprio corpo durante a paralisia do sono. “Parece que minha alma está flutuando. É horrível”, descreve.

“A sensação de sair do próprio corpo pode acontecer durante a paralisia do sono. Isso faz parte da atividade alucinatória”, comenta o psiquiatra Alexandre Azevedo.

Jairo EstevamDireito de imagem ARQUIVO PESSOAL
Jairo Estevam teve paralisia do sono durante 50 anos

Em muitos dos relatos, as pessoas descrevem que tiveram sensação de mal-estar físico durante o episódio.

“Senti um homem se deitando sobre mim. Ele era muito pesado e eu me sentia afundando no colchão, sem conseguir me mover. Quando consegui me mexer, notei que não havia ninguém no quarto”, relata Priscila Matos, ao comentar sobre uma das paralisias mais traumatizantes que vivenciou.

Especialistas afirmam que as sensações físicas durante a paralisia do sono acontecem porque o indivíduo não tem domínio do próprio corpo quando vivencia o fenômeno biológico.

Por exemplo, a pessoa pode ter a percepção de falta de ar, porque no momento ela não tem controle voluntário da respiração, mas continua respirando de forma natural. Como não consegue fazer a respiração de modo voluntário, pode ter a percepção de falta de ar. Mas ela não vai morrer durante a paralisia”, comenta Eckeli, que ressalta que a paralisia não causa riscos de morte.

As alucinações

Há pessoas que associam as alucinações da paralisia do sono a questões sobrenaturais. O compositor Rodrigo de Freitas, de 34 anos, relata que teve a primeira experiência aos oito anos. Desde então, conta que se tornou frequente. Para ele, os elementos que aparecem durante a paralisia podem ser algo de “outra dimensão” e que precisam ser muito bem analisados. “As pessoas precisam ir mais a fundo em suas experiências com a paralisia do sono, para perceber os sinais e a oscilação de energia no ambiente”, afirma.

“Acredito que não é algo da nossa dimensão. Porém, não saberia explicar mais detalhadamente. Penso que tem relação com energia, algo que estamos longe de descobrir, porque as pessoas aceitam muito facilmente respostas prontas”, completa o compositor.

Assim como Rodrigo, outras diversas pessoas relacionam a paralisia a algo que possa ter uma origem sobrenatural. Em razão disso, há casos de pessoas que chegam a recorrer a igrejas ou outras representações religiosas para tentar compreender o assunto e até tentar evitar novas paralisias.

Eles afirmam que as figuras descritas por aqueles que têm paralisia do sono são semelhantes, entre elas um animal escuro, às vezes peludo, e de olhos vermelhos, que surge sobre o peito das pessoas. Há também constantes relatos de um homem com uma cartola preta.

Rodrigo de FreitasDireito de imagem ARQUIVO PESSOAL
 Rodrigo de Freitas atribui o fenômeno a coisas sobrenaturais

Não há uma definição para a origem das alucinações que podem surgir durante a paralisia do sono. Especialistas acreditam que possa se tratar de imagens de temor criadas com base no contexto cultural do indivíduo.

“Pensando um pouco em psicanálise, no momento entre o sono e o despertar, podem surgir informações do nosso inconsciente para a nossa consciência. E, talvez, a sensação de sufocamento, medo e imobilidade precipitem nosso consciente a expressar imagens que simbolizem essas sensações e sentimentos”, comenta Eckeli.

As interpretações da paralisia do sono podem variar conforme as crenças de cada pessoa. “Esse fenômeno biológico pode ser interpretado com base no contexto histórico e social. Há registros da paralisia do sono em diversos povos, como orientais, japoneses, indígenas, africanos, norte-americanos e egípcios. Onde há ser humano, há algum tipo de relato. A interpretação sobre esse assunto depende do contexto de cada povo”, explica Eckeli.

O neurologista, porém, afirma que não se trata de uma situação sobrenatural. “As alucinações nada mais são do que elementos de sonhos durante o momento em que a pessoa desperta.”

O designer Sergio Victor Stellet, de 29 anos, chegou a cogitar que a paralisia do sono pudesse ser uma situação mística. “Mas comecei a ver inconsistências nessas explicações sobrenaturais, então comecei a ver pelo lado científico, pois sou ateu e bem cético. Hoje, percebo que não são necessárias explicações extraordinárias para compreender”, diz Stellet, que teve a primeira experiência com o fenômeno biológico aos 14 anos, enquanto cochilava após o almoço.

“Hoje, consigo entender que a minha paralisia do sono acontece quando durmo pouco. Então, já me preparo psicologicamente, quando sei que vai acontecer, e explico para a minha companheira que aquela noite será complicada para eu dormir”, relata o designer.

A busca por ajuda

A paralisia do sono pode trazer diversas dificuldades. Entre elas, medo de dormir e ansiedade frequente. “Essas dificuldades causam instabilidade de humor e prejuízos de atenção e concentração”, ressalta o psiquiatra Alexandre Azevedo.

Entre os que possuem paralisia, há aqueles que optam por esconder, por medo de serem considerados anormais. Outros, principalmente aqueles que vivenciam o fenômeno com frequência, preferem buscar ajuda especializada. Entretanto, não existe um tratamento específico e não há como prever a persistência de episódios ao longo da vida.

Os casos de paralisia do sono podem ser considerados isolados, quando o indivíduo não possui nenhuma mazela que possa justificar as dificuldades durante o sono. Quando o fenômeno está relacionado a uma doença psiquiátrica, o tratamento psicológico e com remédios pode auxiliar na redução da paralisia do sono.

Especialistas também passam algumas orientações que podem ser implementadas na rotina. Entre as medidas estão dormir ao menos sete horas por noite, manter o ritmo regular de horário para dormir e acordar diariamente, evitar cochilos durante o dia, manter o controle de uso de substâncias como cafeína e bebidas alcoólicas e não utilizar medicamentos para indução do sono sem orientação médica.

Uma das principais orientações para sair da paralisia e retomar os movimentos do corpo é manter o foco mental sobre o despertar durante o episódio e mexer os olhos rapidamente, com força. Outra medida para acelerar o fim do fenômeno é que alguém que esteja por perto encoste na pessoa que está passando pelo episódio, para que ela consiga despertar por completo.

Mesmo com orientações sobre como evitar o fenômeno, nem todas as pessoas conseguem sair da paralisia com facilidade. Outros aprendem a controlar após viver diversos episódios durante anos.

“Eu tinha todas as noites, por quase 50 anos. Hoje, depois de tanto tempo, passei a ter controle total e só tenho a paralisia do sono quando quero ter. Perder o medo dela é fundamental para que possamos compreendê-la. É importante mantermos a calma, para que ela passe logo. Para mim, atualmente é uma diversão”, afirma o músico Jairo Estevam.

“No começo eu tinha muito medo de tudo isso, então via vultos, ouvia sons diversos como gritos e estrondos. Era uma confusão entre praticamente todos os sentidos. Sentia peso no peito, como se houvesse algo em cima de mim. Hoje, quando tenho, consigo direcionar um pouco melhor minhas ideias e pensar ‘Ok, começou de novo. Vamos mexer pelo menos um dedo e ver se saímos dessa'”, comenta o designer Sergio Stellet.

fonte: BBC

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