Uma análise feita pela reportagem da Rede Alpha de Comunicação constatou que atas, resoluções, composições atualizadas, pautas de reunião, relatórios financeiros e regimentos internos de diversos conselhos municipais de Botucatu não são disponibilizados à população.
A omissão fere diretamente o princípio da publicidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal e as obrigações de transparência ativa impostas pela legislação federal, que determinam que todo órgão público deve disponibilizar, independentemente de solicitação, informações de interesse coletivo, especialmente aquelas relacionadas à gestão de políticas públicas e à participação popular.
Portal dos Conselhos apresenta uma série de não conformidades
No espaço dedicado aos Conselhos Municipais, dentro do Portal da Transparência, é possível encontrar links quebrados, ausência de dados atualizados e documentos incompletos.
Em muitos casos, não há sequer informações básicas, como nomes dos conselheiros titulares e suplentes, mandatos vigentes, atas de reuniões ou decisões tomadas.
As falhas atingem conselhos de áreas estratégicas, como:
- Conselho Municipal de Saúde,
- Conselho de Educação,
- Conselho de Meio Ambiente,
- Conselho da Habitação,
- Conselho de Turismo,
- Conselho de Cultura,
- Conselho das Cidades, entre outros.
Todos esses órgãos têm papel fundamental na fiscalização e formulação de políticas públicas, sendo o principal canal de diálogo entre o poder público e a sociedade civil.
Reuniões em horários que afastam a população
Outro problema identificado é que muitos conselhos realizam suas reuniões em horários que inviabilizam a participação da população, especialmente de trabalhadores e representantes da sociedade civil.
O Conselho Municipal de Saúde, por exemplo, costuma realizar seus encontros às quintas-feiras pela manhã, período em que grande parte dos cidadãos está em expediente de trabalho, o que limita a presença popular e o acompanhamento das deliberações.
Essa prática contraria o espírito participativo que fundamenta a existência dos conselhos, que deveriam priorizar horários acessíveis e ampla divulgação prévia das pautas e reuniões para garantir a presença e o controle social da comunidade.
Casa dos Conselhos é subutilizada
A reportagem também constatou que muitos conselhos não utilizam a Casa dos Conselhos, espaço público mantido pela Prefeitura de Botucatu, atualmente na Rua Antônio Bernardo, 45 – Bairro Lavapés, que conta com estrutura física e funcionários pagos com recursos municipais para dar suporte administrativo e garantir a transparência das atividades desses órgãos colegiados.
Apesar da estrutura existente, diversos conselhos realizam reuniões em outros endereços, sem qualquer justificativa pública ou transparência sobre os locais e horários escolhidos, o que prejudica o acesso da população e a fiscalização das atividades.
Conselhos sob controle político e perseguição
Além das falhas de transparência, a reportagem apurou que muitos conselhos estão sob o controle direto de secretários municipais e seus adjuntos, o que inviabiliza qualquer tipo de fiscalização independente.
Segundo relatos de servidores e munícipes ouvidos de forma anônima:
“Tentamos apresentar sugestões no conselho de saúde, mas qualquer crítica é barrada e há pressão para que não questionemos as decisões dos secretários”, denunciou um servidor municipal.
“Os horários e locais das reuniões são definidos para que a população não participe. Muitos conselhos sequer utilizam a Casa dos Conselhos, e quem denuncia sofre retaliações”, afirmou um morador que acompanhava reuniões do Conselho de Educação.
“A sensação é de que tudo está controlado politicamente. Não há espaço para participação real da sociedade”, relatou uma representante de ONG local.
“Todos os eventos culturais que ocorrem na cidade são sempre os mesmos artistas e na maioria das vezes, os próprios representantes do Conselho de Cultura e seus amigos é que são beneficiados. Eu sou artista independente e nunca consigo oportunidade. É um absurdo isso. Acontece há anos essa situação. Ninguém faz nada pra parar com isso. Repare nos eventos da prefeitura, é sempre a mesma panela, desabafou um artista local que preferiu o anonimato, temendo retaliação.
Essa concentração de poder prejudica a participação cidadã efetiva e fortalece a percepção de que os conselhos funcionam mais como instrumentos administrativos, uma espécie de continuidade das secretarias executivas, do que como espaços de controle social e fiscalização.
Falta de divulgação no site oficial da Prefeitura
Outro ponto grave é a ausência de divulgação das reuniões, editais e deliberações dos conselhos no site oficial da Prefeitura de Botucatu.
Muitos eventos e reuniões ocorrem sem aviso público, e mesmo as atas ou pautas posteriores não são disponibilizadas on-line, impedindo que a sociedade tenha conhecimento das decisões que afetam políticas públicas essenciais, como saúde, habitação e educação.
O que a lei exige e Botucatu não cumpre
A Lei de Acesso à Informação (LAI) estabelece que todos os entes públicos devem manter portais de transparência com dados claros, atualizados e acessíveis à população.
Os artigos 8º e 9º da lei obrigam a divulgação de:
- Estrutura e funcionamento de órgãos colegiados (como os Conselhos Municipais);
- Composição atualizada de membros, titulares e suplentes;
- Atas e deliberações;
- Calendário de reuniões e locais de realização;
- Relatórios de atividades e prestação de contas;
- Endereços e contatos para participação da sociedade.
A ausência desses documentos caracteriza não conformidade administrativa e pode configurar violação aos princípios da legalidade, moralidade e publicidade previstos na Constituição Federal.
Cidadãos sem acesso e conselhos invisíveis
A falta de dados públicos compromete o próprio funcionamento dos Conselhos Municipais, já que a população não tem como acompanhar as decisões, participar das reuniões ou fiscalizar a execução das políticas.
Em Botucatu, há conselhos que não se reúnem há meses e outros que seguem ativos apenas, porém sem registros de atividades.
Para especialistas em transparência e controle social, a situação é preocupante:
“Os conselhos são espaços legítimos de cidadania. Quando a prefeitura não divulga informações, define horários inacessíveis, dispersa as reuniões e controla politicamente as decisões, ela impede a sociedade de exercer seu papel fiscalizador e participativo”, avalia um consultor ouvido pela reportagem.
Denúncia deve chegar ao Ministério Público
Diante das irregularidades, representantes da sociedade civil preparam uma representação ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado, cobrando que o município regularize o Portal dos Conselhos e publique todas as informações exigidas por lei.
Caso o Ministério Público entenda que houve omissão dolosa ou má-fé administrativa, os responsáveis podem responder por ato de improbidade administrativa, conforme previsto na Lei nº 8.429/1992, por violação dos princípios da transparência e da eficiência na gestão pública.
Enquanto isso, o Portal Transparência segue fora dos padrões exigidos, restringindo o acesso da população e enfraquecendo um dos pilares da democracia participativa: o controle social.
O que diz a Lei de Acesso à Informação (LAI)
A Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), assegura a qualquer cidadão o direito de obter informações públicas de órgãos municipais, estaduais e federais.
Ela determina que os órgãos públicos devem divulgar, de forma espontânea e permanente, informações de interesse coletivo, inclusive em portais eletrônicos.
Confira os principais artigos sobre isso:
- * Art. 8º: obriga a divulgação ativa das informações, sem necessidade de solicitação.
- * Art. 9º: prevê que o acesso às informações deve ser gratuito, simples e acessível.
- * Art. 10º: garante que qualquer pessoa pode solicitar dados públicos, sem necessidade de justificar o motivo.
Penalidades previstas
# Servidor público: pode responder a processo administrativo disciplinar e ser demitido por ocultar ou omitir informações de interesse público.
# Gestor municipal: pode ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, art. 11) e ter os direitos políticos suspensos, além de multa e proibição de exercer cargo público.
# Órgão público: pode ser alvo de recomendações, auditorias e sanções por parte do Ministério Público e do Tribunal de Contas.
Botucatu segue devendo transparência e participação popular aos cidadãos
Enquanto o Portal dos Conselhos permanecer desatualizado, os conselhos controlados politicamente e as reuniões forem realizadas de forma inacessível, a cidade continuará distante dos princípios básicos da democracia e da boa gestão pública.
A reportagem procurou o prefeito Fábio Leite, o vice-prefeito e também Secretário de Governo, André Spadaro e a secretária de Comunicação, Cinthia Al-Lage, mas até o fechamento desta matéria, nenhum deles se pronunciaram.
A Rede Alpha continuará acompanhando os desdobramentos dessa situação e se coloca à disposição dos dirigentes municipais para prestarem esclarecimentos à população sobre essa grave situação enfrentada no município de Botucatu.