O prefeito de Botucatu, Fábio Leite (PSD), gerou forte reação da população ao afirmar, em entrevista, à Rádio Prever, que o Espaço Cultural da cidade — construção histórica de 1966 — foi “uma aberração”.
O prédio, considerado um marco da arquitetura local, foi projetado pelo arquiteto botucatuense Nadir Curi Mezerani, profissional reconhecido no estado de São Paulo e autor de diversos projetos pelo país.

Nadir Curi Mezerani
Durante a entrevista, o prefeito demonstrou desconhecimento sobre o autor da obra, referindo-se ao arquiteto “como mulher” e afirmando que havia procurado o nome “na internet” sem encontrar resultados. Na sequência, justificou sua intenção de construir um prédio elevado no lugar como um “mini-MASP”, através de uma parceria público-privada (PPP).
O problema, segundo críticos, é que a população não foi consultada, até o momento, apesar dele dizer que será “discutido com a sociedade“. Não há clareza sobre como essa parceria será feita e nem se haverá critérios de preservação do prédio histórico.
A declaração foi considerada um desrespeito ao patrimônio cultural da cidade e provocou revolta do arquiteto Nadir Mezerani, que se manifestou publicamente.
Após tomar conhecimento das falas do prefeito, o arquiteto destacou a importância histórica e social do projeto, concebido originalmente como um Centro Educacional Infantil Municipal, voltado a crianças de famílias humildes de Botucatu, na décadade 60.
Segundo ele, o espaço sempre teve “DNA cultural”, abrigando escola, museu, biblioteca e atividades artísticas ao longo de seis décadas.
Cabe neste caso esclarecer, a quem se interessar, a grande diferença entre um projeto arquitetônico, sua execução em obra e ao final o efetivo uso e sua conservação no tempo. Este projeto arquitetônico é de minha autoria em 1965, seu cálculo estrutural é do engenheiro J.C. Figueiredo Ferraz e a obra foi executado por Geraldo Rezende Magela na gestão do prefeito Amaral Amando de Barros. Este me solicitou projeto de um “Centro Educacional Infantil Municipal” como escola destinada a crianças de famílias de menor poder aquisitivo, em período integral, na área aberta da antiga caixa d´água desativada.
O arquiteto ressaltou sobre o abandono e a falta de manutenção das edificações.
“A estrutura maior necessita de tratamento técnico, mas é um exemplo de solidez. O problema é o hábito histórico brasileiro de não restaurar seus patrimônios”.
Ele também criticou o Departamento de Engenharia da Prefeitura como responsável direto pela deterioração da estrutura.
“há um “ESPAÇO de CULTURA” onde hoje se abriga a Biblioteca Municipal e o Museu Histórico e Pedagógico, havia um Cine Clube da Secretaria de Cultura também … e a visão que temos do Espaço Cultural hoje é de abandono…., embora ainda seja ocupada e esteja em uso.” Tudo parece mais grave, pois o DNA da proposta original está estampada como ESPAÇO CULTURAL, onde há hoje descaso maior do Departamento de Engenharia da PMB na estrutura da abóboda maior, obvio também à todas as demais estruturas, hoje com 60 anos!”
O apelo de Nadir Mezerani
A angústia do arquiteto Nadir Mezerani destaca o valor social e cultural do espaço, lembrando que ele foi concebido como Centro Educacional Infantil e mais tarde se tornou símbolo da cultura local, mas que podem ser destruídos.
“A praça deve ser restaurada com retrofit às funções desejadas desde a estrutura, a arquitetura e o paisagismo; ridiculamente abandonados na Avenida Dom Lúcio”, ambiente articulador histórico de Botucatu de bons ares e escolas”.
Ele defende que a praça e o edifício sejam restaurados, preservando sua arquitetura e paisagismo originais, e sugere transformar em um espaço para as crianças e os jovens; proposta que conciliaria educação, ciência e cultura, a exemplo do Museu Catavento, em São Paulo.
“O prédio percorre 60 anos em constante metamorfose, desde Centro Educacional Infantil, mas gloriosamente sempre destinado à cultura. Certamente a obra pública é da sociedade e ela que deve dizer se merece um reestudo global a permanecer como obra cultural, obviamente sugiro inicialmente, obra destinada a escola durante o dia para as crianças que ainda infelizmente necessitam do Estado e à noite à tantas outras para os jovens. Mas por aqui vejo se amigo permite-nos uma regional do “Museu Catavento”!
A fala do prefeito também foi criticada por especialistas
A fala do prefeito, ao classificar uma obra símbolo da cidade como “aberração”, é vista por especialistas do Direito Administrativo, Arquitetos, Engenheiros e Defensores do Patrimônio Histórico da cidade como um ato de despreparo e desprezo à memória coletiva e à identidade botucatuense.
“Mais uma vez o prefeito expõe sua opinião sem conhecimento causando transtorno à população que se sente insegura diante de suas decisões. Provocando ainda mais desconfiança e reduzindo a sua popularidade, diz o especialista em Direito Público”, Arthur Tellot.
Enquanto isso, a Prefeitura planeja abrir mais uma PPP para os espaços de cultura do município. A mais recente está ocorrendo para a reforma do Cine Neli que passou muitos anos fechado e para a qual a população não foi ouvida.
Agora para a construção do novo Espaço Cultural, a população aguarda mais transparência e participação nessa decisão que envolve um dos marcos históricos mais emblemáticos de Botucatu.
Os especialistas apontam que existem vários problemas neste caso, envolvendo a área mais valorizada da cidade, a Av. Dom Lúcio, principal via da cidade e ponto estratégico do comércio e urbanismo botucatuense.
Há problemas quanto às áreas de zoneamento do município; riscos de exploração comercial do espaço público; falta de transparência sobre a parceria; falta de estudos de impacto social; de consulta da população, entre outros.
“Estamos diante de uma ameaça real de que um espaço histórico e público seja entregue à exploração comercial e imobiliária travestida de parceria cultural. A PPP é um instrumento legítimo, mas precisa obedecer à Lei Federal nº 11.079/2004. Isso inclui audiências públicas, estudos técnicos e consulta popular. Qualquer desvio transforma o processo em uma forma de privatização do patrimônio municipal.” alerta a arquiteta urbanista Luciana Prado, especialista em Planejamento Urbano.
O que diz a lei das Parcerias Público-Privadas
A Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/2004) exige rigorosos critérios de transparência e controle social, entre eles:
- Estudos de viabilidade técnica e financeira, demonstrando a vantagem da parceria para o município.
- Audiência pública obrigatória antes da assinatura de qualquer contrato.
- Publicação integral dos termos da PPP, incluindo prazos, responsabilidades e garantias.
- Fiscalização contínua pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público.
“Sem essas garantias, o município corre o risco de perder o controle do espaço público por décadas. A prefeitura precisa demonstrar claramente que a PPP não beneficiará grupos privados, incorporadoras ou empresas ligadas ao setor imobiliário ou à cúpula do governo. Caso contrário, pode ser questionada judicialmente por violação do princípio da publicidade e do interesse público”, explica o advogado Rafael Venceslau, especialista em Direito Administrativo.
O risco da entrega do patrimônio municipal à iniciativa privada sem garantias definidas pela população
O Espaço Cultural está situado em um dos terrenos mais cobiçados de Botucatu, cercado por escolas, centros comerciais e residenciais de alto padrão.
Urbanistas alertam que, sem garantias legais e fiscalização cidadã, a iniciativa pode abrir caminho para exploração comercial, elitização e perda definitiva do caráter público da área.
“A Avenida Dom Lúcio é um eixo simbólico da cidade. Não se pode substituir história por concreto espelhado. Em vez de demolir, o caminho responsável seria restaurar o prédio, mantendo a essência da obra e integrando novos usos. O que o prefeito propõe é apagar 60 anos de identidade cultural de Botucatu, critica a arquiteta Luciana Prado.
O que a sociedade cobra agora
Entidades culturais, organizaçõesda sociedade civil, arquitetos, urbanistas e moradores cobram que a Prefeitura de Botucatu:
- Realize uma audiência pública sobre o futuro do Espaço Cultural.
- Garanta que o terreno continue sendo de uso público, com função cultural e educacional.
- Proíba o uso comercial ou imobiliário do espaço em qualquer contrato de PPP.
- Crie um conselho gestor com representantes da sociedade civil para acompanhar o processo.
- Valorize o patrimônio existente, restaurando-o com técnicas de preservação em vez de demolição.
A Rede Alpha já fez várias reportagens sobre a situação do Espaço Cultural, mas a Prefeitura nunca respondeu aos questionamentos.
Reportagens da Rede Alpha sobre a grave situação do Espaço Cultural
Em fevereiro deste ano, o Jornalista Fernando Bruder, do Portal Alpha Notícias, realizou uma série de reportagens, após denúncias de munícipes e servidores municipais sobre os riscos de acidentes no Espaço Cultural e sobre a falta de manutenção dos iglus; bem como, da negligência com o acervo histórico do Museu Municipal de Botucatu, chamado Museu de Ensino e História Francisco Blasi.
Na época, o Prefeito Fábio Leite, a Secretária de Comunicação Cinthia Al-Lage e a Secretária de Cultura, Cristina Cury foram procurados para darem esclarecimentos de cada matéria, porém nenhum deles se manifestaram.
Veja as matérias, na íntegra, através dos links abaixo:
www.alphanoticias.com.br
- https://www.alphanoticias.com.br/espaco-cultural-de-botucatu-esta-abandonado/
- https://www.alphanoticias.com.br/cine-janelas-de-botucatu-mais-um-espaco-cultural-perdido-pelo-descaso/
- https://www.alphanoticias.com.br/bens-historicos-doados-por-familias-de-botucatu-entulhados-no-espaco-cultural/
- https://www.alphanoticias.com.br/prefeito-fabio-leite-afirma-que-espaco-cultural-de-botucatu-esta-com-estrutura-condenada/
Youtube (@redealphadecomunicação):
- https://youtu.be/zbnX1GG-fYE?si=dckJZW8Rj0aMc5Ph
- https://youtu.be/8L9vheQpQMw?si=ZxmKg_YQhFNykBgA
- https://youtu.be/LcERw0SaylM?si=gjmD7iq8bIuKkjJA
Vereadores de Botucatu também são omissos com a situação do Espaço Cultural
Em março, deste ano, logo após as denúncias da situação do Espaço Cultural, feitas pela equipe de jornalismo da Rede Alpha, o jornalista Fernando Bruder protocolou uma solicitação de reunião com as Comissões Parlamentares da Câmara Municipal de Botucatu.
A iniciativa foi direcionada às duas comissões internas:
- Comissão de Educação, Cultura, Lazer, Turismo, Meio ambiente e agronegócios, composta pelos vereadores: José Fernandes de Oliveira Junior (Presidente da Comissão); Antonio Mario de Paula Ferreira Ielo (relator) e Welinton Rodrigo de Souza, o Japa (membro).
- Comissão de Assistência Social, Defesa do Cidadão, Segurança e Direitos Humanos, composta por: Antonio Carlos Trigo (Presidente da Comissão); Thiago Alves Padovan (relator); e Abelardo Wanderlino da Costa Neto (membro da comissão).
Da mesma forma, o Presidente da Câmara, Antônio Carlos Vaz de Almeida, o Cula, também foi convocado.
A reunião tinha como objetivo central, tratar das denúncias sobre a precariedade e riscos da falta de manutenção dos prédios culturais do município de Botucatu; dentre eles, o Teatro Municipal e o Espaço Cultural.
A reunião aconteceu no dia 13 de março deste ano e compareceram juntamente com o Jornalista Fernando Bruder; a Dra. Júlia Bruder, Diretora da Rede Alpha de Comunicação; a advogada, Dra Raphaela Siloto e o cinegrafista, Régis Vallée.
Os vereadores asseguraram que seria montada uma comissão para visitar os espaços culturais e nova reunião seria agendada em até 30 dias para dar satisfação sobre que providências seriam tomadas. Mas, até hoje, nem as visitas ocorreram por parte dos vereadores, e nem a nova reunião foi realizada para responder as denúncias.
No último mês de setembro, novamente, o Jornalista Fernando Bruder protocolou nova solicitação de resposta à Câmara Municipal endereçada ao Presidente da Câmara, Vereador Cula; porém, novamente, não foram dadas qualquer explicações sobre a fiscalização do vereadores nos espaços culturais do município de Botucatu.
Tal situação pode caracterizar crime de Prevaricação por parte dos vereadores envolvidos.
Veja a matéria sobre a reunião com os vereadores através do link abaixo:
https://www.alphanoticias.com.br/?s=Pr%C3%A9dios+cultura
A Rede Alpha reafirma seu compromisso com o jornalismo independente, com a defesa: do patrimônio histórico, da transparência na gestão pública e do direito de participação da população botucatuense perante às decisões que moldarão o futuro da nossa cidade.
Patrimônio público não é moeda de troca. É memória viva de um povo e deve ser preservado com responsabilidade e respeito.
A Rede Alpha continuará acompanhando os desdobramentos de mais esse caso e atualizando em próximas reportagens.
imagens: Prever FM
foto: Revista Projeto