Coluna Bahige Fadel

Mudança

Mudamos o calendário. O resto continua. Ilusão é achar que a simples mudança do calendário vai mudar o mundo. Não é o calendário que muda as coisas. O que muda tudo somos nós. Se nós mudarmos, o mundo mudará. Se nos acomodarmos, tudo continuará como está, com tendências a piorar. A realidade é essa. As mudanças por causa do calendário são sonhos. E os sonhos não se realizam por si sós. Eles precisam de ações das pessoas. Essas ações é que mudam o mundo.

Pareço triste? Não se preocupe, caro leitor. Não é tristeza. É a realidade. Não estou triste, mas não tenho muitas ilusões. Como iludir-me num ano como este? Como? Os governos anunciam liberdade total no carnaval enquanto os casos de COVID-19 aumentam. Dá para me iludir com isso? Não dá. O pessoal fica denunciando o ódio dos outros, sem se preocupar com o ódio que borbulha dessas acusações. Dá para me iludir com isso? Não dá. Quais foram as maiores notícias nesses últimos dias? Os problemas ocorridos com as chuvas, não é? Deslizamentos, mortes, desabrigos, fome, desespero. Há quantos anos você escuta e vê notícias idênticas? Muitos anos. A gente já nasceu ouvindo essas notícias. E o que se faz para resolver o problema? Nada. Parece que os governos esperam pela tragédia, para poderem encontrar culpados. As soluções é que não se encontram. É que pessoas felizes são menos convencíveis. É mais fácil convencer pessoas desesperadas. Essas aceitam qualquer ajuda e agradecem durante as eleições. As pessoas felizes exigem mais. Não precisam de ajudas circunstanciais. Querem direitos. Exigem o cumprimento das obrigações. Não aceitam incompetência. As desesperadas aceitam qualquer coisa, desde que o desespero do momento diminua. Para os desesperos do ano que vem, novas demagogias dos heróis de ocasião. Heróis tortos e oportunistas. Não lhes interessa a solução dos problemas. Povo sem problemas não precisa de heróis. Precisa de administradores competentes, honestos, dispostos a consertar os erros do mundo. Não esperam que o fogo se alastre, para poderem apagá-lo. Dá para se iludir com isso? Não dá.

Quem consegue se iludir num ano de eleições? Quem? Devo iludir-me, achando que a disputa será limpa, de alto nível, em que vencerão as melhores propostas para o Brasil? Devo iludir-me, achando que os candidatos, desta vez, só porque mudamos o calendário, vão deixar de pensar em si próprios ou nos ‘inimigos’ que devem ser eliminados, para pensarem no Brasil, na solução dos nossos seculares problemas, que não detalharei aqui, pois são fartamente conhecidos? Claro que não. Não há nenhum indício de que isso possa acontecer. Até um recém-nascido sabe qual será o nível das próximas eleições.

Portanto, difícil acreditar em grandes mudanças. Que pelo menos as pessoas de bem não se omitam nem se acovardem. Que as pessoas de bem não se escondam. Que as pessoas de bem façam, à sua maneira, o bem.

BAHIGE FADEL

Desejos para o Ano Novo

Resolvi, mais uma vez, revelar meus desejos para o novo ano. Sempre que fiz isso, não deu certo. Mas quem sabe se desta vez as coisas mudam? Já pensaram se dá certo? Uau! Vai ser demais. Para facilitar as coisas, vou reduzir minhas vontades ao essencial. Nada de exorbitâncias. Daí, seria abusar demais da sorte ou do destino. Desta vez vou ser mais comedido. Franciscano, até. Tem que dar certo. Não vou desejar, por exemplo, que o meu São Paulo Futebol Clube seja campeão brasileiro. É mais fácil boi voar do que o São Paulo ser campeão brasileiro. Campeão paulista já foi um milagre. A gente está dando graças a Deus por não ter caído para a segundona. Como eu já disse anteriormente, o São Paulo é incaível.

Então, está resolvido. Só vou desejar coisas simples. Assim, já descartei uma campanha eleitoral civilizada. Desejar isso é programar uma decepção para breve. E não estou a fim de ter uma tremenda decepção com data marcada. A selvageria vai imperar nessa campanha eleitoral. O cheiro da campanha eleitoral será terrível. Pode ser que eu agradeça à COVID ´por ter me tirado o olfato. Assim, só vou ouvir dizer da aca que será a campanha eleitoral do próximo ano. Eu desejando ou não, vai haver briga de foice no escuro. Uns vão vender a mãe na campanha. Outros vão vender e entregar.

Desse pedido já desisti. Não vou pedir o impossível. Assim, também não vou desejar que o Brasil seja campeão mundial de futebol.  Nem que a vaca tussa. Ser campeão com quem? Com o nosso grande ídolo marqueteiro Neymar Júnior, eternamente machucado nos momentos decisivos? Com quem mais? Com Pelé, Didi, Tostão, Jairzinho, Zico, Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Romário, Bebeto, Vavá, Garrincha? Mas eles não jogam mais? Com Messi, Cristiano Ronaldo, Mbapeé, Benzemá? Mas eles não jogam pelo Brasil. As seleções deles são de outros países. Então, nem pensar. Desejar que o Brasil seja novamente campeão mundial de futebol é desejar o impossível. E como eu já disse, só vou pedir coisas simples.

Então, vamos lá. Desejar o quê? Que a educação brasileira seja de primeira qualidade? Que esteja entre as melhores do mundo? Querer a gente quer, mas… Eu já tinha prometido que só desejaria coisas mais viáveis. É que eu estou na educação há tantos anos, já ouvi tantos discursos com promessas, já vi tantas reformas mirabolantes com resultados pífios, que não tenho mais coragem desejar uma educação de primeira qualidade. Desejar uma pequena melhora, vá lá. Mas desejar que a coisa de lata vire ouro é muito. É impossível. As nossas autoridades estão interessadas em propagarem reformas, não em obterem bons resultados.  Deve haver algum motivo para isso, que eu não entendo. Não vou desejar. Seria outra decepção.

Desejar que os políticos parem de mentir? Que parem de pensar mais em si mesmos do que no povo? Que cumpram com suas promessas de campanha? Que cuidem mais de otimizar as atividades do que de criar novos impostos, que empobrecem ainda mais a população? Que não sejam lobos em pele de cordeiro? Mas isso seria um sonho, não um desejo. Se eu desejar isso, com certeza, vou me decepcionar.

Quer saber? Só vou desejar um feliz Natal e um ano novo bem melhor do que este que está terminando. Que o coronavírus não nos perturbe tanto. Vamos ver se dá certo.

BAHIGE FADEL

Ufa

Caramba! Já estamos em dezembro. Logo, logo será 2022. Quem diria! Ano difícil. Bota dificuldade nisso. Uma atrás da outra. Além das dificuldades naturais, as dificuldades criadas. Sim, dificuldades criadas. É que existe gente especialista em achar pelo em ovo. Há pessoas cuja especialidade é espalhar o caos. São os agentes do fim do mundo.

Meu amigo, você já viu corrida de fundo? Aquelas de dez mil metros, maratona… São corridas que demoram para terminar. Alguns, embora cansados, passam bem pela linha de chegada. Mas há alguns chegam num bagaço de dar dó. Chegam capengando. Parece que não vão conseguir. Mas conseguem. E quando passam pela linha de chegada, têm um alívio. Estão nas últimas posições, mas parece que ganharam a corrida. É o meu caso. Estou olhando para a linha de chegada, que está logo ali, mas parece que está a uns dez quilômetros. Propus-me a chegar. Não importa em que condições, mas vou chegar. Não vou querer desistir no último mês, de jeito nenhum. É só botar na cabeça que o próximo ano será mais fácil, que aparecem novas forças. Vai firme, cara, que o ano que vem vai ser mais fácil! E lá vou eu.

É isso aí. Tento ser otimista. É a melhor maneira de se viver. É a melhor maneira de expulsar os agentes do caos, os marqueteiros do inferno, os representantes do capeta, do chifrudo, do lúcifer, do coisa-ruim, do danado, do tinhoso, do diabo, do demônio, do jurupari, do belzebu, do malvado, do canhoto e de outros nomes menos cotados. Tem que ser otimista. Acreditar no melhor. Mesmo que seja ano de eleição, a gente tem que acreditar no melhor. Não estou falando em acreditar em discurso de político. De discurso de político a gente sempre desconfia. Desacredita. Tem que acreditar em você. Você é capaz. O político é capaz de outras coisas, exceto fazer algo para você ser feliz. Veja o que os deputados de São Paulo fizeram com os aposentados. Depois de cinco anos sem atualização dos salários, o que fizeram? Botaram imposto para reduzir o salário deles. Para reduzir o meu salário. É como se dissessem: Você trabalhou durante trinta e oito anos para o Estado, educando crianças e jovens, mas não merece ganhar o que ganha. Vou reduzir o seu salário, e vire-se. Não estou nem aí para os seus problemas. Assim mesmo, vote em mim. Lógico que isso eles não falam. Os políticos, em seus discursos, são os mais humanitários do mundo. São todos Irmã Dulce ou Madre Teresa de Calcutá. Assim, não é por causa deles que você será otimista. É por causa de você. Por causa do seu fôlego, por causa de seus objetivos. Você tem que cuidar de você mesmo e de várias outras pessoas que necessitam de você. Não acredite em qualquer discurso. Nem do bem nem do mal. A vitória do próximo ano, como deste, será sua, apesar dos discursos daqueles que falam mas não fazem, que dizem estar pensando em você, mas estão pensando apenas neles próprios.

BAHIGE FADEL

Profissionais

Como dizem as raposas velhas, política é para profissional. Amador que tenta entrar nessa enroscada acaba se machucando. Se não acontecer coisa pior. Se amador tentar entender esse rolo todo que existe na política, pelo menos no Brasil, pode se enroscar feio. Pode passar por ingênuo, por tolo, por limitado intelectualmente. Mas não é nada disso. Amador na política profissional de hoje é carta fora do baralho: não tem utilidade nenhuma. E a cada dia que passa, vai ficar pior. Velhos tempos em que as coisas eram mais amadoras, para idealistas, para apaixonados. Mudou tudo.

Como amador que sou, não quero me meter em política. Pelo menos, na política atual. Já gostei de dar meus pitacos, ou até opiniões abalizadas, principalmente quando se tratava de educação. Hoje tenho certos receios. Embora não seja tão amador assim em educação, há muitos especialistas no pedaço. Pessoas que nunca entraram numa sala de aula, nunca dirigiram uma escola de periferia, nem mesmo do centro da cidade, mas que se julgam especialistas, experts. Ditam normas. Elaboram teses. Criam coisas como ‘o novo ensino médio’, como se fosse a grande conquista da humanidade. São os profissionais. Os respeitados. Os citados. Com certeza, têm várias pós-graduações. Até no exterior.

Não é fácil lidar com profissionais. Entendê-los é menos fácil ainda. É mais fácil passar no vestibular do ITA, gabaritando na prova de matemática e física, do que entender os profissionais da política. Vejam se eu não tenho razão. Nessa pandemia, várias coisas aconteceram. Houve o grupo do ‘fique em casa’, houve o grupo do ‘genocida’, houve o grupo do ‘prenda quem estiver sem máscara’, ‘prenda quem estiver na rua’. Houve o grupo dos ‘negacionistas’. Houve o grupo do ‘apocalipse’. Houve o grupo da ‘gripezinha de nada’. Faltou o grupo da verdade. Faltou o grupo da solidariedade. Faltou o grupo da esperança. Até os cientistas ficaram criando grupos para se oporem entre si, não para esclarecerem os leigos.

Agora, esses profissionais, que defendiam o ‘fique em casa’, estão dizendo que está tudo normal e que já pode haver até carnaval. E pode vir gente de qualquer parte do mundo, que a segurança é total. Dá para entender? Eu não consigo. Enquanto vêm notícias da Europa dizendo que uma nova cepa do coronavírus está preocupando governantes e cientistas, aqui no Brasil os profissionais da política, possivelmente apoiados por experts, estão garantindo um carnaval seguro. E se a gente não acreditar neles, passa a ser chamado de retrógrado, de ignorante, de agente do caos, de pessimista, de incrédulo, de um monte de coisa ruim. Difícil entender, cara! Coisa de louco. Perdão, coisa de profissionais. Não se meta o amador a entender coisas tão complexas.

BAHIGE FADEL

Definição

Quem é o sábio que se propõe a definir o ser humano? Não é tarefa fácil. Mas não vale essa de dizer que o ser humano é a mais perfeita criação de Deus. Não vale. Mesmo porque, se Deus criou o homem para ser perfeito, alguma coisa aconteceu no meio do caminho, e deu tudo errado. O ser humano está longe… muito longe… infinitamente longe de ser perfeito. Se um dia o homem foi perfeito, como dizem os mais crentes, esqueceu como é. Ou não gostou do que era e resolveu mudar. Deve ter achado que a perfeição era muito enfadonha. Deu uma guinada de 180 graus e foi pro caminho contrário. Haja imperfeição, cara!

Vamos arriscar alguma coisa? Afinal de contas, isto é uma crônica, não uma tese. A gente tem que ser criativo, não exato. A exatidão está para os matemáticos, não para os cronistas. Os cronistas são parecidos com os meteorologistas: às vezes acertam, mas não dá para confiar cegamente nas suas previsões. Está bem, lá vai. É um ser indecifrável… incompreensível… obscuro… paradoxal… Taí. Paradoxal cai bem. O que é o paradoxo? Aparente falta de nexo ou de lógica; contradição; raciocínio aparentemente bem fundamentado e coerente, embora esconda contradições decorrentes de uma análise insatisfatória de sua estrutura interna. Epa! Isso não é meu, é do dicionário. Falta de lógica… contradição… É isso aí.

Quer ver? Quantas vezes você viu, ouviu ou leu alguém defendendo a ideia de que devemos defender a guerra? Quantas? Acho que nenhuma. A não ser algum desvairado como o Quincas Borba, de Machado de Assis, que dizia que a guerra é necessária, porque preserva os mais fortes e elimina os fracos, como se os mais fracos não devessem viver. Hitler deve estar aplaudindo a personagem machadiana, lá no inferno. ‘Ao vencedor, as batatas! ’  Todo mundo aparece para defender a paz. Por acaso, em sua longa ou recente vida, quantas vezes você ficou sabendo que não havia nenhuma guerra no mundo? Quantas? Lá no Oriente, parece que eles colocam na agenda: ‘Amanhã, às 10h, início da guerra contra tal país; no mês que vem, guerra contra outro país; em dezembro, pausa para as festas de Natal e ano novo; retomada da guerra na segunda semana de janeiro (a primeira é para curar a ressaca) ’.

A guerra não precisa ser com balas e bombas. Parece que isso está meio fora de moda. A guerra de palavras é a mais moderna. E mais barata. E sua capacidade de destruição é maior do que as bombas. É que as palavras têm o poder de destruir física e moralmente. E são lançadas a torto e a direito. Indiscriminadamente. E fazem isso em nome da liberdade, da democracia, dos direitos. Como se a gente devesse ter a liberdade ou o direito de destruir os outros, não importando o motivo. É que as pessoas se acham no direito de serem juízes e carrascos, ao mesmo tempo. Julgam e executam, sem darem satisfação a ninguém. Dão-se um poder que não possuem e colocam em prática uma maldade, que aprimoram a cada dia.

BAHIGE FADEL

Chatice

Fui procurar no dicionário o significado da palavra chato, para ver que havia algo diferente daquilo que a gente sabe. Não há. É aquilo mesmo: ‘ Indivíduo de companhia ou convivência desagradável, inconveniente, desinteressante, não só pela obviedade e previsibilidade, com também pela falta de conteúdo de suas afirmações. Estorvo. Aquele que causa incômodo ou tédio.’

É isso mesmo. O mundo atual está uma chatice danada. Está causando tédio. E não que seja algo ocasional ou de pessoas de pouca cultura. Não. Há muita gente de status chata pra dedéu. Caramba! Está insuportável. Acho que nem os chatos estão se aguentando de tanta chatice. Vocês viram a definição do dicionário? Obviedade e previsibilidade. Querem coisa mais chata do que isso? Você vai assistir a um programa de TV para ver o que há de novo. E o que você vê? O blá-blá-blá de sempre. Aquele que é contra só fala contra. Não consegue ver uma virtude. Aquele que é a favor só fala a favor. Não consegue ver um defeitozinho sequer. Chatice total. Insuportável.

Nessa história chata, todo mundo é maniqueísta. Parece que ninguém se propõe a sair desse quadrado. Ninguém quer ampliar horizontes. Ninguém quer refletir um pouco mais, para ver se existe algo mais. É a santificação de um lado e a demonização do outro. Só que o que é santificado por um lado é demonizado pelo outro e vice-versa. Santos e demônios são os mesmos. Tudo depende de quem está falando ou escrevendo. Pode? Será que não há nada entre o santo e o demônio?

Vejam a questão dos preços dos combustíveis. Os situacionistas tentam justificar a elevação dos preços, isentando de responsabilidade o governo. Os oposicionistas soltam sapos e lagartos sobre o governo, dizendo que ele é o único responsável por essa elevação. E daí? – pergunto eu em minha santa ingenuidade. A situação não sugere uma ação que possa mudar esse estado de coisas. A oposição, além de fel e veneno, não oferece nenhuma solução palpável. Em primeiro lugar, quero saber objetivamente se existe uma solução. Em segundo lugar, quero saber se essa solução é aplicável no Brasil. Em terceiro lugar, quero saber o que deve ser feito para que essa solução seja colocada em prática. Em quarto lugar, quero saber em quanto e por quanto tempo essa redução de preços ocorrerá. Você tem alguma resposta, caro leitor? Mas eu não quero tiros ou flores. Quero dados, caminhos e prazos.

Mas não é só nisso que a chatice do mundo é gritante. Em vários outros aspectos. Tudo é motivo para violência. Tudo é motivo para indignação. Tudo é motivo para uma guerra de gestos e de palavras. Tudo é motivo para transformar em inimigo o amigo. Está cansando.

Nasci numa região em que tudo é motivo para guerra. E lá estão eles procurando motivos e guerreando. Ninguém dorme sossegado. Ninguém acorda sossegado. Ninguém diz bom-dia sossegado. Vim para um país em que as coisas eram resolvidas em paz, no diálogo, na compreensão. Eram. Agora, aprenderam a guerra. Aprenderam o ódio. E gostaram. Infelizmente, gostaram.

BAHIGE FADEL

Agradar

Amigo, você já notou como é difícil agradar a todas as pessoas? Perdão, errei o adjetivo. É impossível agradar a todas as pessoas? Não estou querendo dizer que isso é bom ou ruim. Estou querendo dizer que é humanamente impossível. Aliás, humana e divinamente impossível. Isso mesmo, nem Deus – com D maiúsculo – agrada a todos. Não foi Nelson Rodrigues que disse que toda a unanimidade é burra? Se ele estiver certo, há um monte de gente inteligente neste mundo.

Mas voltando à vaca fria… Nossa Senhora! Não sei como desenterro essas expressões.  Voltar à vaca fria. Acho que nem meu avô usava mais essa expressão. Quer dizer retornar ao assunto principal. Mas essa expressão não surgiu do nada, não. É de antanho. Surgiu na França, no século XVII. E eu desenterrei agora. Como desenterrei o antanho. Eu escrevi que desejava voltar à vaca fria, mas estou tergiversando. Rsrsrs. Vocês se lembram daquele filme De volta para o futuro? Marty e Doc Brown vão para o futuro para resolverem um problema da família McFly, mas quando retornam ao presente, descobrem que houve um fato que mudou o rumo da história. Então, tiveram que voltar para o passado, para consertarem o desastre. Pois é, esta crônica está parecendo isso. Enrolação total. Lengalenga.

Eu quero mesmo é voltar à vaca fria. É difícil agradar a todo mundo. Sua namorada fala que você é lindo; sua ex garante que você é um trubufu. Acreditar em quem? A gente tende a acreditar no que nos é mais conveniente. Outra: sua mulher vive repetindo que você está engordando muito, é só barriga, nem as roupas lhe cabem mais. Já sua mãe o que é que fala? Meu filho, você está tão magro. Você está doente? Precisa ir ao médico. Ou é sua mulher que não está dando comida pra você? Eu bem que disse que não era pra você casar com ela.  Estou mentindo? Claro que não. Isso é assim desde que o mundo é mundo.

E na política? Mesma coisa. Os antibolsonaristas garantem que os bolsonaristas são burros, toupeiras, débeis mentais, acéfalos, retardados, estúpidos, idiotas. Quando não dizem que são desonestos, desonrados, desqualificados, desumanos, des… Já os bolsonaristas têm certeza de que os antibolsonaristas são burros, toupeiras… Bem, não vou repetir todas as palavras. Ocupariam muito espaço.

Foi Aristóteles que disse que a virtude está no meio, né? É coisa pra se respeitar. Não foi um Zé-Ninguém que disse isso. Só que essa virtude está difícil de ser encontrada. As pessoas estão atirando para todos os lados. Acertem em quem acertarem. E quem sofre é a virtude do equilíbrio, como disse Aristóteles. As pessoas só olham para um lado ou para destruir ou para endeusar. Quem sofre é a verdade, que fica escondida nos radicalismos.

A gente brinca um pouco para a crônica ficar mais leve. Estamos cheios de pesos inúteis. Mas o assunto é sério. É preciso criticar o erro para corrigi-lo e elogiar o acerto para estimulá-lo. Só assim evoluiremos.

BAHIGE FADEL

Normalidade

A pergunta que não quer calar é: Quando voltaremos à normalidade? Lamento dizer que, na minha opinião, que, aliás, ninguém pediu, mas, mesmo assim, eu a transmitirei, não haverá o retorno à normalidade naquele conceito tradicional. Cada um terá a sua nova forma de normalidade.

Por exemplo, no meu caso, o que seria voltar à normalidade? Seria eu recuperar o olfato? Cheiro agradável e desagradável? Seria eu sentir o gosto do maracujá quando tomar um suco de maracujá, e não um gosto estranho que não consigo definir? Seria eu recuperar toda a energia que tinha antes da COVID? Seria eu passar a caminhar com segurança, sem sentir essas tonturas que surgiram com esse destraçado vírus? Ou seja, seria eu voltar a ser igualzinho ao que era antes de ser infectado pelo Corona vírus? Se for assim, sinceramente, acho que não terei de volta essa normalidade. Vou ter que me adaptar ao meu novo normal. Se eu não quiser sofrer, claro. Porque já fiz tudo que os médicos e os curiosos pediram, sem resultado algum. Assim, está decidido: o meu normal será o meu novo normal.

Mas eu não sou Todo Mundo. Todo Mundo é personagem do Auto da Lusitânia, de Gil Vicente: ‘Eu hei nome Todo o Mundo,/ e meu tempo todo inteiro/ sempre é buscar dinheiro, /e sempre nisto me fundo.’. Longe disso. E outras pessoas esperam por coisas diferentes nessa aguardada normalidade. O desempregado voltará à normalidade quando recuperar seu emprego ou quando conseguir outro emprego para sustentar-se. Estou certo? O promotor de espetáculos voltará à normalidade quando puder voltar a promover seus espetáculos. São o seu ganha-pão. Os carnavalescos voltarão à normalidade quando puderem realizar o seu carnaval sem limitações. As escolas voltarão à normalidade quando todos os alunos puderem voltar à sala de aula, sem precisarem usar a máscara protetora. O governo voltará à normalidade quando todas as atividades voltarem e a arrecadação se recuperar, para que possa realizar as atividades em favor do povo.

Eu sei o que você está pensando agora. Você deve estar achando que, desse jeito, nunca voltaremos à normalidade. Por quê? Só porque eu disse que será normal o governo realizar atividades em favor do povo? Que aí não será normalidade, mas novidade? Que a exceção nunca pode ser uma normalidade? Aí será maldade sua, cara pálida. Por incrível que pareça, eu ainda acho que há governos que desejam fazer coisas para beneficiar o povo. Juro! Conheço alguns. Naturalmente que não estou incluindo aquele que se aproveita da pandemia para tirar dinheiro dos aposentados e, depois, para tentar ficar mais simpático, visando às próximas eleições, resolve conceder um bônus para determinada classe. Não sou tão cego assim.

Quer saber? Posso não ter retornado à normalidade ainda, mas já me sinto bem mais leve, bem menos nervoso e inseguro. Espero que o mesmo esteja ocorrendo com você.

BAHIGE FADEL