Coluna Bahige Fadel

A Confissão

Vou confessar. Prometo que vou contar toda a verdade. Não ficarei com subterfúgios. Não vou esconder nada. Serei totalmente verdadeiro.   Não tenho motivo para esconder coisa alguma. Não é questão de coragem ou covardia. É questão de oportunidade. Então, vou confessar. Mas vou dizer uma coisa: se eu não confessar, não fará diferença alguma. Ninguém notará nada.  Nada de diferente acontecerá no mundo. O que está ruim continuará ruim e o que está bom permanecerá bom. A confissão não é para resolver os problemas do mundo. E sinceramente, não é sequer para resolver algum problema meu. Essa confissão não é para resolver problema algum. Confissão é para esclarecer, não para resolver. Para resolver, é preciso encontrar a solução. E confesso: Não tenho soluções importantes para os problemas do mundo.

Afinal, eu prometi que confessaria, mas não prometi que confessaria algo importante. Se você for ler essa confissão, será apenas por curiosidade. ‘O que é que esse cara está querendo confessar? Vamos ver o que é.’ Você não lerá minha confissão porque espera alguma revelação importante, espetacular, indispensável. Indispensável… O que é indispensável nesse mundo de Deus? Minha confissão? Certamente que não. Ela é plenamente dispensável. Indispensável é que todas as pessoas sejam imunizadas contra essa pandemia. Indispensável é que as autoridades parem de fazer propaganda aproveitando-se da morte de tantas pessoas. Indispensável é que os ‘donos da verdade’ parem de se achar donos da verdade. Indispensável é que parem de nos roubar das mais variadas maneiras possíveis: aumentando impostos, acelerando a inflação, reduzindo o valor real dos salários ou, simplesmente, roubando mesmo, na cara dura, com obras e compras superfaturadas, com lavagem de dinheiro, com desvios de dinheiro e outras coisinhas mais. Isso sim é indispensável. Minha confissão pode ser dispensada tranquilamente. Com ela ou sem ela, o mundo continuará sua caminhada, com os mesmos tropeços e vitórias.

Pois bem, vamos à confissão. Chega de enrolar. É que não é fácil vir a público e contar algo que está no seu íntimo, que só você conhece. É o mesmo que desnudar-se em público. Você, caro leitor, teria coragem de desnudar-se em público. Nem que estivesse muito bêbado. Mesmo na embriaguez, viria aquele segundinho de lucidez e você não tiraria a roupa. É ou não é? Não é fácil não, gente boa. A confissão nada espetacular ou reveladora é essa: comecei a ficar desanimado. Bateu o desânimo. Não, não é desânimo em relação à pandemia. Essa eu acho que vai acabar logo. Passaremos o Natal e o ano novo sem tantas preocupações. Todo mundo imunizado e tomando os cuidados devidos. Meu desânimo é a respeito do ser humano. Ele não aprende. Dizem que é nas dificuldades que as pessoas aprendem mais, mas não é o que está acontecendo. Ao invés de aumentar o espírito de solidariedade das pessoas, o que é que é que estamos vendo? Pessoas se digladiando, extravasando seus ódios e rancores, uns querendo ser melhores do que os outros, muitos pisando os outros para se erguerem. No lugar do mel o fel. O homem não aprende. ‘De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto .’ Lembra-se disso? Rui Barbosa, além de gênio, era profeta.

BAHIFE FADEL

A Crise

Sim, reconheço, estamos em crise. Não dá pra tapar o sol com a peneira. A crise se instalou fortemente no Brasil. Vai ser difícil acabar com ela. Mesmo porque há muita gente mais interessada em incrementar a crise do que exterminá-la. Parece filme de ficção, mas é a mais pura verdade. Existem pessoas que se divertem com a crise. São sádicos. Pensam que são sádicos, se é que pensam em alguma coisa. Na realidade, são também masoquistas, pois, pensando causar o sofrimento, se humilham com a crise.

Essa crise não vai acabar logo. Muitas pessoas não têm interesse em que ela acabe. É o ganha-pão delas. É o fermento para as suas vidas insignificantes e improdutivas. Improdutivas? Perdão, não são improdutivas, pois produzem um monte de coisas e situações ruins. É o pessoal do ‘quanto pior melhor’. São os Fortunatos, do conto A CAUSA SECRETA, de Machado de Assis. Fortunato, para lembrar, se sentia feliz com o sofrimento alheio. Quanto o sofrimento deixava de existir, ele se desinteressava.

Interessante que existam pessoas assim. São personagens reais. São secundárias na trama da vida, mas tudo fazem para se tornarem principais. São aqueles que aparecem sem serem convidados, falam em momentos inoportunos e nada acrescentam com a sua fala, a não ser maldades. Só percebem o que há de errado nos outros, mas são incapazes de oferecer uma solução. São especialistas na crítica, não na solução. Querem ser famosos de qualquer jeito. Fazem cambalhota no meio da rua, para serem notados, arrotam em público, para serem o assunto de algum comentário. Acham-se muito felizes ao provocar a infelicidade do próximo. São encontradiços em qualquer lugar. Na alta e na baixa sociedade, entre ignorantes e entre cultos, na juventude e na velhice, no mundo desenvolvido e no mundo subdesenvolvido. Nascem como praga, crescem como praga, incomodam como praga e causam danos como praga.

Não, amigos, isso não tem nada a ver com a pandemia da COVID-19. A pandemia é apenas uma desculpa para as suas ações. Usam a COVID-19 como desculpa, mas, se não houvesse a doença, encontrariam outro motivo para incrementar as crises em quaisquer partes do mundo. São insaciáveis. Querem ver sangue. Rezam na igreja, pensando enganar a Deus, e destroem fora dela, como se essa fosse a vontade de Deus, em quem, aliás, sequer acreditam.

Não há vacina ainda para acabar com esse vírus dos fomentadores de crises. Não existe remédio eficaz para enfrentá-lo. Há como evitá-lo, mas assim mesmo é muito difícil. Quando você menos espera, esse vírus o está atacando. O único remédio para enfrentá-lo é uma mistura de verdade com coragem. Esse remédio está disponível em sua cara? Tomara que esteja.

BAHIGE FADEL

A repetição do erro

Alguém muito observador disse, um dia, que é tolice fazer as coisas sempre do mesmo jeito e esperar por resultados diferentes. E é verdade. Se você faz tudo sempre igual, a tendência é obter resultados iguais.

E por que estou comentando sobre isso, agora? É que eu fiquei meio desconfiado com o andamento dos últimos acontecimentos relacionados à pandemia. Preste atenção. Não estou aqui para criticar pessoas ou autoridades. Nada disso. Ainda acredito que cada um está fazendo o que pode para que a situação melhore. Infelizmente, muitas pessoas não têm muito para oferecer. E mais infelizmente ainda, muitas dessas pessoas ocupam cargos que deveriam ser ocupados por pessoas mais competentes. Essa é a realidade. A questão é outra. É que já estamos há mais de um ano com medidas para impedir o alastramento da pandemia. Distanciamento social e uso de máscaras estão aí desde março do ano passado. E naquela época o número de infecções era irrisório em relação ao que temos hoje. Vamos nos sacrificar, vamos fechar escolas, indústrias e estabelecimentos comerciais para evitar o alastramento da doença. E daí, foram aumentando as limitações. E a doença aumentando. Chegamos até ao lockdown (isolamento ou restrição de acesso imposto como uma medida de segurança, podendo se referir a qualquer bloqueio ou fechamento total de alguma coisa, especialmente um lugar). E a doença se alastrando. Com isso, falências a rodo, economia em cacos, depressão aumentando visivelmente na sociedade, pessoas desesperadas passando fome. E a doença se alastrando.

É aí que a porca torce o rabo. Não é hora ainda de se fazer uma análise do que está dando certo e do que está dando errado? É hora ainda de continuar tomando as mesmas medidas, com todas as consequências que estão ocorrendo? Ou será que é verdade que o pessoal está mais perdido do que cego em tiroteio? Ou será que estão tomando essas medidas apenas para dizer ‘estamos tomando medidas’? Será mesmo que não há nada mais para ser feito, que possa trazer resultados melhores? Tudo que é possível já está sendo feito?  O lockdown traz mesmo resultados tão bons que vale a pena o risco de arrebentar com a economia do país, de levar milhares de pessoas à falência e ao desespero, de criar outras situações que podem levar a mortes trágicas? Será?

Estou começando a ter sérias dúvidas. Só que, infelizmente, eu também não tenho ideia alguma. É que eu sou apenas um professor de português. Não sou um cientista.

E a angústia continua.

BAHIGE FADEL

Intolerância

‘Do ponto de vista social, as pessoas intolerantes não conseguem aceitar divergentes pontos de vista, ideias ou culturas, principalmente pelo fato de não compreenderem a diversidade da qual é formado o mundo.’

‘Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes’ (SAMPA – Caetano Veloso)

Tenho escrito algumas vezes sobre a intolerância que impera atualmente neste mundo de Deus. Então, fui procurar alguns significados relacionados, para dar mais consistência à minha reflexão de hoje. Achei essas duas, bastante pertinentes. A primeira explica o que é o intolerante, sob o aspecto social. O intolerante é aquele que não consegue aceitar pontos de vista divergentes. Isto é, o intolerante só consegue aceitar o ponto de vista igual ao que ele defende. Só a opinião dele é que vale, que é certa, que deve ser aceita. É como se a opinião dele fosse lei, fosse uma tese, fosse um dogma. Assim, não se deve suportar a existência de algo que contrarie essa opinião. É o fim do diálogo, é o fim da conversa. O que vale é a opinião do intolerante, e pronto. O resto é o resto.

A seguinte é uma letra de Caetano Veloso, que aborda o significado do narcisista. Ele acha feio o que não é espelho. Assim, tudo que é diferente dele não presta, não deve ser aceito, deve ser repudiado. O narcisista é um intolerante egocêntrico. Só ele vale, só ele é bonito, só ele presta, só ele deve merecer a admiração dos outros.

É uma pena que esses narcisistas intolerantes existam em grande quantidade. Quando se fala em política, então, eles fervem em todos os lugares, principalmente na mídia e nas redes sociais. Eles não abrem a boca para emitir uma opinião ou uma ideia a respeito de algo. Eles abrem a boca para dizer que só eles estão certos, que todos os outros estão errados, que ninguém sabe coisa alguma, exceto eles. E o pior de tudo é que são raivosos, violentos, muitas vezes chulos em suas palavras. Acham que podem dizer tudo que querem, são eles os detentores da verdade. E os outros não podem dizer nada, pois nada sabem sobre a verdade. Não aceitam o diálogo. São incapazes de dialogar, de admitir que o outro pode estar certo. São o centro do monólogo, isto é, o centro de si mesmos.

Esses narcisistas intolerantes não ajudam em nada, não colaboram com coisa alguma que possa ser positiva. Não acrescentam nada de novo. Gostam de ouvir a sua própria voz ou de ler as suas próprias palavras. Se o outro fala, é fake; qualquer coisa que ele fale é a mais pura verdade, que deve ser seguida cegamente.

Infelizes daqueles que se deixam levar pelos narcisistas intolerantes! Não chegarão a lugar nenhum. Nada aprenderão. Não encontrarão a luz que procuram (se é que a procuram).

BAHIGE FADEL

Coisas terríveis

Existem coisas das quais a gente já ouviu falar, mas nem imagina como devem ser. Coisas terríveis! Como dizia a minha avó, coisas do arco da velha, obras do tinhoso, do coisa ruim, do chifrudo, do lúcifer, de satanás. Se eu fosse o Riobaldo, do livro Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, já lascaria mais umas dezenas de sinônimos para o rei do inferno. São coisas, por exemplo, piores do que bater na mãe, do que, segundo personagem de Machado de Assis, em seu conto Causa secreta, cortar as pernas do ratinho de laboratório, só para se divertir.

Pois é, na ficção como na realidade, acontecem coisas ruins. Sempre aconteceram. Até Cristo, que é Deus, foi traído. Quer coisa pior? Na TV, já vi policiais chutando até à morte um pobre coitado. Quer coisa pior? Já li, na Bíblia, que Cristo foi condenado, para o bandido ser inocentado. Quer coisa pior?

Há coisas ruins a rodo, a torto e a direito. Bandido sair livre não é coisa só da Bíblia. Que é isso, camarada? Aconteceu no passado, está acontecendo agora e, o que é pior, acontecerá no futuro. Há mais coisas nesse mundo do que sonha a nossa vã filosofia. Não é Rui Barbosa que, há muito tempo, já disse que estava ficando com vergonha de ser honesto? Que estava vendo triunfar as nulidades? Pois é, a história se repete. Está parecendo aquele cara que, quando lhe disse que preferia ser honesto na política, me disse, indignado: ‘Você, por acaso, é bobo? O que você ganha com isso? ’ No mínimo, ganho o direito de, com orgulho, contar essa história.

Sem dúvida, coisas terríveis estão acontecendo. Vai chegar o dia – podem esperar, que não vai demorar muito – em que a linguiça comerá o cachorro. Vai acontecer. As coisas estão tão loucas, que até isso poderá acontecer. Se aparecer um ET na Terra, vai sair correndo de volta para o seu planeta. ‘Aqui, não. Peguei o bonde errado.’

É impressionante. Quando a gente pensa que tudo de ruim já aconteceu, que já chegamos ao fundo do poço, arranjam um jeito de criar o subsolo do poço. E vamos mais para o fundo. Tudo se transforma em interesse particular. Tudo se transforma em levar vantagem. Tudo se transforma numa competição em que só eu posso vencer. E ninguém segue as regras. A única regra que existe é ‘quem pode mais chora menos’. Essa competição é uma verdadeira casa da mãe Joana. Perdão, na casa da mãe Joana deve

haver regras mais claras que o vale-tudo que estamos presenciando atualmente. Enquanto isso, morrem pessoas. Enquanto isso, pessoas vão perdendo as esperanças. Enquanto isso, pessoas vão chegando à conclusão de que o esforço não vale a pena. É uma pena! Muito terrível.

BAHIGE FADEL

Desisti

É difícil eu desistir de alguma coisa. Sempre fui muito persistente em tudo que queria realizar. Alguns até me acham muito teimoso (principalmente minha mulher). Mas agora, confesso, não dá mais. Encheu até às tampas. Só me resta desistir. É definitivo. Desisti. Não quer dizer que seja permanente. Se as coisas mudarem, quem sabe? Mas não acredito em mudanças tão rápidas. As coisas ruins, principalmente, são persistentes, grudam durante algum tempo e não querem ir embora. São parasitas. Sugam a gente, tirando nossas energias e esperanças.

Há pessoas – elas existem em todas as épocas, mas se manifestam mais em tempo de crise – que parecem briga de marido e mulher, quando não mais se entendem. Um fica ofendendo o outro. Ficam vasculhando coisas passadas que deveriam ter sido esquecidas há tempos. Um fica denunciando o outro, botando defeito no outro, diminuindo o outro. Coisa de louco. Insana. Mas não rara. Acontece até com certa frequência. Pois bem, há pessoas assim. Essas pessoas, daqui a pouco, vão culpar até Deus pela pandemia. Já culparam todo mundo. A oposição já culpou a situação e vice-versa. Já culparam os chineses. Daqui a pouco, por falta de novos culpados, hão de culpar Messi ou Neymar. O importante é culpar. Não importa a quem. Essas pessoas não trazem contribuição alguma para a solução do problema. Aliás, se for possível, elas tentarão impedir que haja solução. Já pensaram se não houver mais a pandemia? Que catástrofe! Não terão a quem culpar. Não terão com quem brigar. Não terão mais o alvo de seus disparos venenosos e destruidores. Não querem a solução do problema. O que eles querem é encontrar culpados para o problema.

Então, meu amigo, desisti. Não quero mais ouvir esse tipo de pessoas. Não quero mais participar da sua falta de empatia. Não quero tomar parte da sua fala destruidora. Eu ia escrever ‘fala inútil’. Mas não é inútil, pois procura destruir. Não quero mais saber desses caras. Não vou mais acessar as redes sociais para vê-los ou ouvi-los. Eles não me servem para nada. Querem mostrar uma coisa, mas a intenção é a mais torpe possível. Querem mostrar solidariedade, mas são egocêntricos e narcisistas. Só pensam em si mesmos e só valorizam a si mesmos. Querem obter benefícios próprios prejudicando o outro. Não quero mais assistir a canais de TV que repetem à exaustão o número de mortos por uma só doença e desconhecem os mortos de outras doenças e os curados de qualquer doença. Esses caras

não me interessam. O interesse deles não é bem a informação, mas a criação do caos. São mensageiros da desgraça. Alardeiam o mal, sem moverem uma palha sequer para o bem.

Não quero saber dessas pessoas. Quero procurar pessoas e coisas que me ajudem a ser feliz. Vou seguir todos os protocolos, mesmo não acreditando em alguns deles. Não entendo nada dessa doença. Assim, espero que os outros, que me orientam, conheçam um pouco mais. Mas vou desprezar as iras, as intrigas, as fakes, os pretensos eruditos no assunto, que nada acrescentam às informações anteriores. Com todo o cuidado, sem culpar ninguém, vou esperar pela vacina. A minha e a dos outros. E esperar pela chegada do momento de ser completamente feliz.

BAHIGE FADEL

Um ano

Caramba! Sabem o que estou fazendo há um ano? Dando aulas on-line, aulas remotas. Coisa de louco. A gente se sente muito solitário. E o aluno também. Deve ser uma barra para esses alunos. Se para mim, que sou um pouquinho mais velho, já está difícil, imaginem para crianças e jovens.  No século XIX, houve o chamado ‘mal do século’. Esse ‘mal do século’ era o tédio que dominou a juventude e levou muitas pessoas à morte. O ‘mal do século XIX’ se definiu como “Pessimismo extremo, em face do passado e do futuro, sensação de perda de suporte, apatia moral, melancolia difusa, tristeza, culto do mistério, do sonho, da inquietude mórbida, tédio irremissível, sem causa, sofrimento cósmico, ausência da alegria de viver, fantasia desmesurada, atração pelo infinito, “vago das paixões”, desencanto em face do cotidiano, desilusão amorosa, nostalgia, falta de sentimento vital, depressão profunda, abulia, resultando em males físicos, mentais ou imaginários que levam à morte precoce ou ao suicídio”. Quanta gente está apresentando sintomas semelhantes agora, com todas as privações a que estamos sujeitos, por causa da pandemia.

Sou franco, não cheguei a tanto. Mas um ano à frente de uma tela de computador, falando sobre literatura para alunos distantes, é uma barra. Além da solidão em que você se encontra, porque você fecha a porta do ambiente da aula, para não haver ruídos extras e nessa posição fica falando durante aproximadamente cinco horas por dia. Há professores que ficam mais tempo ainda. E o professor tem que estar motivado. Não pode demonstrar cansaço ou tristeza aos alunos. Tem que dizer que está muito feliz, que está motivado, que está disposto. Tem que dizer coisas positivas. Às vezes, para eu me motivar mais, peço aos alunos que abram o microfone e as câmeras e conversem comigo. Pelo menos, fico com a sensação de que há mais gente comigo, de que não estou sozinho falando com uma tela de computador.

Todo esse preâmbulo é para dizer que sou a favor do retorno das aulas presenciais. Lógico que as escolas deverão tomar todos os cuidados possíveis, para que os riscos sejam minimizados, para que os riscos não sejam superiores aos que os alunos estão sujeitos em suas casas ou em suas atividades fora da escola. Se isso ocorrer e as aulas voltarem a ser presenciais, os ganhos dos alunos serão muito grandes. Não bastasse o fato de, com todos os cuidados, os alunos poderem encontrar os seus colegas, as aulas a serem ministradas serão de muito maior qualidade. E a vontade de aprender será muito maior. E a motivação para ensinar será muito maior.

Enquanto isso, a gente fica esperando que a pandemia nos dê uma folga, que deixe de atormentar tanto a nossa vida. E isso só se conseguirá quando a maior parte da população estiver vacinada. O caminho pode ser longo, mas já percorremos boa parte dele.

BAHIGE  FADEL

Frases da Pandemia

Em que fase da pandemia estamos? Estamos na pior? Estamos saindo da pior? Estamos entrando na pior? Quer saber de uma coisa? Ninguém sabe. Os médicos não sabem. Os especialistas não sabem. Aliás, nem sei se há especialistas em coronavírus. Não deu tempo ainda de se formarem especialistas nesse negócio. Sei que estamos nessa – o mundo inteiro – com mais incertezas do que certezas, com mais chutes do que verdades. Ninguém tem certeza de nada, a não ser que uns tentam a solução e outros tentam aumentar a confusão. O pior de tudo é que aqueles que tentam aumentar a confusão são, às vezes, mais ouvidos do que aqueles que tentam alguma solução. É o desconcerto do mundo, como dizia o grande poeta português Camões: ‘Os bons vi sempre passar/ no mundo graves tormentos/ e para mais me espantar/ os maus vi sempre nadar/ em mar de contentamentos.’

Mas isso não me surpreende. O mundo sempre foi assim.  Muitas pessoas – e pessoas importantes – acham mais fácil subir pisando os outros, usando os outros como alavanca. Assim, a politização da pandemia não é nenhuma novidade. É da índole dos políticos aproveitar-se de tudo. De tudo e de todos. Transformar em popularidade e voto a tristeza e a alegria do povo, a vida e a morte, a saúde e a doença, a riqueza e a pobreza. O que importa é o voto, o resto são circunstâncias que devem jogar a favor deles.

É assim mesmo. Quando chegou a doença, é o outro quem permitiu a chegada. Quando chegou a vacina, fui eu quem trouxe.  A doença é culpa do outro, a cura é por causa de minha virtude. E muitos acreditam nisso. Parece que algumas pessoas se satisfazem em ser ludibriadas, tratadas como conduzíveis. É mais fácil ser conduzido, requer menos esforço, do que usar a própria força para se conduzir. No final, quando a maioria da população estiver imunizada pela vacina, aparecerão os heróis e os vilões. As mesmas pessoas serão acusadas e acusarão. Vilões para uns, heróis para outros. A única prejudicada nessa briga tola e inútil será a verdade. Ninguém saberá, ao certo, onde ela se encontra. Possivelmente, oculta no esquecimento. Poucos se interessarão por ela.

Lastimável! Numa época tão difícil, pessoas usando a dificuldade de todos para se beneficiarem, para se locupletarem. Falam na saúde do povo sem pensarem no povo, mas unicamente em sua promoção pessoal. Apesar de tudo, chegará o dia em que falaremos da COVID 19 como falamos hoje da varíola: uma doença do passado. E ninguém se lembrará dos oportunistas que se aproveitaram da doença, sem se preocuparem com os doentes, que gritaram pela saúde do povo, sem pensarem no povo, mas em si mesmos. ‘Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança…’ – novamente Camões.

BAHIGE FADEL