Coluna Bahige Fadel

Minha Homenagem

‘Nunca esquecerei de ti, oh minha terra, berço onde o amor nasceu…’. Os versos do poeta são reais pra mim. E pensando em seu aniversário, sinto- me feliz como um aniversariante. Feliz por viver aqui. Feliz por ter conquistado aqui o que sou hoje. Sinto-me parte desta cidade encrustada na cuesta e, por isso, recebendo constantemente uma brisa agradável.

Moro em Botucatu desde os onze anos de idade. Foi quando saí de Pardinho para morar na Pensão Santana, do Máximo Sanches. Meu pai queria que eu estudasse, e em Pardinho só havia o Grupo Escolar Napoleão Corule. Mas o primeiro contato com Botucatu, pra valer, foi um
pouco antes.

Eu tinha apenas oito anos e para cá vim para participar do desfile cívico em comemoração ao centenário da cidade. Naquele tempo, se não me falha a memória, Pardinho era, ainda, distrito de Botucatu. E os alunos do distrito foram convidados a participar da festa da cidade. Depois, meus pais se mudaram para cá, pois não queriam ficar longe dos filhos. Fomos morar na rua Amando de Barros, onde tínhamos uma loja: a Casa São João. Aliás, por causa do nome da loja, todos achavam que o nome de meu pai era João.

No início, ele explicava que era Ramez. Quando viu que não adiantava, resolveu deixar pra lá. Aqui em Botucatu realizei quase todos os meus estudos. Aqui me tornei professor, profissão que exerço até agora. E cada dia na sala de aula é um dia de felicidade. Fui e sou professor de boa parte da cidade. Costumo dizer que metade de Botucatu é de pessoas que foram ou são meus alunos e a outra metade é de pais ou avós de meus alunos. Aqui também, por orientação do amigo Progresso Garcia, tive minha curta experiência política.

Foi o período de redemocratização do país. Foram seis anos de trabalho na Câmara Municipal, da qual fui presidente. Aqui também me tornei radialista. Pelas mãos de Plínio Paganini entrei na F-8. Por sugestão do amigo Elias Francisco me tornei Fadel Júnior, já que o Plínio havia dito que não contrataria nenhum radialista com o nome de Bahige. Seria necessário um nome artístico.

Foi em Botucatu que me tornei Cidadão Botucatuense. Foi uma gentileza do amigo e vereador José Varoli, que apresentou o projeto de lei. E a boa vontade dos demais vereadores, que aprovaram, por unanimidade, o projeto.

Mas não é só por isso que amo tanto esta cidade. Foi aqui que conheci a Mari Neusa, minha companheira desde os meus dezessete anos e a mãe de meus três filhos, que em Botucatu nasceram. Não me imagino vivendo sem ela. Somos apaixonados um pelo outro. Aceitamos os defeitos que cada um possui e procuramos aperfeiçoar nossas virtudes.

Principalmente nossa capacidade de vencer dificuldades e permanecer juntos Conheci Botucatu quando a cidade tinha quarenta mil habitantes e era conhecida como a cidade dos ferroviários. A Estrada de Ferro Sorocabana era a que mais empregava. Não havia ainda a UNESP. Os botucatuenses eram obrigados a sair daqui, se quisessem fazer faculdade. Não peguei o apogeu das grandes indústrias do passado. Vi todo desenvolvimento acontecer. Vi chegarem as indústrias de agora. Tivemos sorte de ter grandes administradores. Assim, Botucatu se transformou no que é.
Tranquila e desenvolvida. Moderna sem deixar de preservar as tradições. Lugar ideal para a gente usufruir dos bons ares e ser feliz.
Parabéns, Botucatu! Parabéns botucatuenses!

 

Bahige Fadel 

Matar em Nome de Deus

Interessante, caro leitor, como se mata em nome de Deus, como se odeia em nome de Deus. Enquanto Cristo disse para que amássemos a Deus
sobre todas as coisas e o próximo como a nós mesmos, o mundo faz totalmente o contrário: odeia e mata em nome de Deus.

Enquanto a Bíblia afirma que Deus é amor, os homens leem a Bíblia e, ao que parece, não entendem as palavras ou se acham no direito de interpretá-las conforme
os seus interesses. Uma lástima. Não só isso, mas também uma preocupação enorme. Aonde chegaremos? Qual será o fim de tudo isso? Acho que não haverá um fim, mas muitos finais.

E não haverá final feliz. Essa longa peça teatral é, com certeza, uma tragédia. Vamos pensar nesse ódio histórico. Vale a pena. Na Idade Média, salvo melhor juízo, houve nove cruzadas. E como se matou em nome de Deus nessas cruzadas! Em 1572, em Paris, houve a famosa Noite de São Bartolomeu, em que católicos e protestantes se mataram, sem economia. Na Revolução Francesa, segundo os livros, mais de duzentos mil católicos foram massacrados. Ainda conforme livros, na Revolução Espanhola, católicos foram massacrados por comunistas. Em 1938, na Alemanha, na conhecida Noite dos Cristais, judeus foram massacrados pelos nazistas. Vamos parar por aqui nessa carnificina histórica em nome de Deus.

Mas esse ódio não fica estagnado na história. Assim fosse. Atualmente, muito sangue em nome de Deus continua sendo derramado. Por exemplo, no Afeganistão, regime Talibã, fundamentalistas muçulmanos e a Aliança do Norte continuam derramando sangue em nome de Deus. Na Nigéria, cristãos e seguidores do islamismo continuam sua luta religiosa. No Iraque, xiitas e sunitas nunca se deram bem. Israel contra a Palestina – judeus x muçulmanos – é um jogo histórico que não termina nunca. Será que terminará algum dia? Nem Deus sabe.

No Sudão, muçulmanos e não- muçulmanos se matam há mais de cinquenta anos. Na Tailândia, budistas e muçulmanos espalham seu ódio em nome de Deus.
O que pensam esses povos? Que o Deus deles é melhor que o Deus dos outros? Mas Deus é um só, não é? Será que Deus, onipotente e onipresente, fica lá em seu trono escolhendo qual povo deve vencer? Será que esses povos se dão o direito de achar que o inimigo não é o próximo que deve ser amado? ‘Amar ao próximo como a si mesmo.’ Em algum lugar está escrito que devemos odiar aqueles que possuem uma outra religião?

Será que em algum lugar da Bíblia, do Alcorão ou de qualquer livro religioso está escrito que o Deus verdadeiro é católico, protestante, islamita, budista ou qualquer outra religião? Mas Deus não disse que todos nós somos seus filhos? Então, todos nós somos amados igualmente por ele.
Infelizmente, tenho que concluir que Deus também é vítima dessas lutas. Usam seu nome para satisfazer os seus desejos mais torpes, mais mesquinhos, mais baixos, menos divinos.

 

Bahige Fadel

A Guerra

No mundo, sempre houve guerras. Umas maiores, outras menores. O mundo, na verdade, nunca esteve em paz. Por exemplo, a Guerra dos Cem Anos durou 116 anos e causou mais de dois milhões de mortes. A Guerra dos Trinta Anos, ocorrida por problemas religiosos – tudo em nome de Deus! – causou perto de oito milhões de mortes. A Guerra Sino-Japonesa, ocorrida quando o Japão invadiu a China, com o objetivo de dominar aquele país, causou a morte de aproximadamente vinte milhões de pessoas. A Guerra Civil Russa, para derrubar os socialistas que haviam tomado o poder, causou a morte de dez milhões de pessoas.

A Primeira e a Segunda Guerra Mundial causaram juntas mais de oitenta milhões de mortes. A Rebelião Taiping, ocorrida na China, por questões político-
religiosas, causou trinta milhões de mortes. E a Guerra da Síria, que começou em 2011 e dura até hoje? Ninguém mais fala dela. Continuam morrendo pessoas por lá. Um dos países mais bonitos do mundo está destruído.

Quase quinhentos mil mortos. Vamos parar por aí, para que a crônica não fique muito triste. Antes, porém, é bom que a gente ressalte que, atualmente, existem quase trinta conflitos no mundo, por motivos diversos, que causam milhares e milhares de mortes. Mas esses conflitos não chamam a atenção da mídia global. Interessa a guerra entre Rússia e Ucrânia, pois esse conflito respinga no mundo inteiro, por causa da produção de petróleo e gás. Os especialistas dizem que, se a Rússia deixar de vender gás, a Alemanha não suportará o inverno.

Não preciso ir tão longe. a coisa está lá na Europa, e vejam como estão os preços no Brasil. Sabem outra coisa ruim nas guerras? Pessoas que querem tirar vantagem a qualquer custo. São oportunistas nojentos, que não pensam em mortes, não pensam em crise, não pensam em nada que não seja a vantagem que podem conseguir com os eventos. Vamos culpar tal candidato, para facilitar a caminhada do nosso candidato.

Vamos insistir que e tal governante é o culpado, pra que ele seja rejeitado pelo povo nas próximas eleições. Vamos dizer que foi por causa dele a guerra. Vamos dizer que ele é o culpado das mortes. E isso vale para qualquer partido político. É a oposição, sempre, que vai culpar a situação. O alvo é a situação. A bala é a oposição.

E isso não é só na guerra. Quando os interesses políticos são colocados à frente dos outros interesses, a briga de foice no escuroé inevitável. Hajavista a pandemia do coronavírus. Foi tiro pra todos os lados. O importante era tirar vantagem do episódio. Vamos lamentar as mortes, diziam, não porque realmente lamentamos, mas para parecermos os bonzinhos. A gente é o bonzinho e o outro é que se vire com a solução. E se a solução vier, vamos insistir que poderia ter sido melhor, mais rápida e eficiente. Tudo para se tirar vantagem política. Isso também é uma guerra. Infelizmente.

 

Bahige Fadel

A Solução

Desde o tempo da pedra lascada, a gente ouve falar que as dificuldades ensinam. Para superar essas dificuldades, o homem se aperfeiçoa e, por isso, melhora. Parece lógico esse raciocínio. Por causa dele, no começo da pandemia de COVID eu acreditava que, superado o problema, o ser humano se tornaria melhor, mais humano, mais solidário, mais racional, mais afetivo, mais empático.

E o que aconteceu? Sabemos o que não aconteceu. Não aconteceu nada daquilo que eu achava que aconteceria. O pior lado do ser humano veio à tona. A maldade, o ódio, o egocentrismo, a violência, a falsidade, a mentira, a difamação, a misantropia. Principalmente a misantropia, o ódio que o ser humano demonstra pela humanidade nunca esteve tão claro como hoje. Talvez num passado que não vivi tivesse havido algo parecido, com Hitler e seus asseclas, por exemplo. Sei que estou meio negativo.

Sei. Eu costumo dizer para as pessoas com quem convivo que a pior dor é aquela que a gente está sentindo. Dentro desse raciocínio, devo estar achando que a atual é a pior receita de ser humano que se fez, porque é a dor do momento. Pode ser. Mas isso não elimina a ideia de que a humanidade está cada vez menos humana. As pessoas estão deixando de pensar com o cérebro, para raciocinar com o fígado. Um dia, perguntei aos meus alunos se eles já haviam notado que as pessoas sussurram que amam e gritam que odeiam. Depois lhes perguntei se eles sabiam o motivo. Ninguém respondeu. Às vezes, tenho a impressão de que as pessoas gostam mais de odiar do que de amar. Amam com vergonha e odeiam com orgulho.

Sei que a gente não pode generalizar. A generalização é sempre um erro. Mas a minha preocupação agora não é acertar, mas colocar à tona minha decepção e indignação com o ser humano. Um país cuja força militar é cem vezes superior à do país vizinho resolve invadir esse país. O que move o poderoso país além do ódio? Um torcedor de futebol resolve jogar uma bomba num ônibus onde estão atletas que estão se dirigindo a um estádio de futebol, para realizarem o seu trabalho profissional. O que move esse torcedor além do ódio? Um ser desumano coloca fogo numa pessoa, só porque essa pessoa é de outra raça. O que move esse ser desumano que não seja o ódio? Um pai abusa sexualmente da filha de três anos de idade.

Essa é uma atitude de seres humanos? Sim, porque só o ser humano ou desumano é capaz de tanto ódio. Esta crônica não transformará o mundo. Jamais teria essa pretensão. Aliás, já faz algum tempo que perdi minhas esperanças de que uma ‘mágica’ ou um milagre pudesse mudar o mundo para melhor.

Não inventaram essa mágica ou esse milagre . Até agora, só inventaram máquinas para piorar o mundo. Máquinas de ódio, que obrigam o ser humano esquecer a sua humanidade e a colocar em prática os seus piores instintos.

 

Bahige Fadel

Risco na Vida

Está muito arriscado viver atualmente. Em todo mundo, mas no Brasil, principalmente. o campo, na cidade. O risco é permanente. Vejam a questão das vacinas contra a COVID-19. Se não toma a vacina, corre o risco; se toma, corre o risco. Pra me imunizar, tomei a quarta dose. Nos dois dias seguintes, pensei que ia morrer. Caramba! Será que não conseguem inventar uma vacina que não nocauteie o cidadão? Acho que é por isso que tantas pessoas não quiseram tomar a terceira e quarta doses.

Devem ter pensado: Essa nova cepa é como uma gripe forte, então não vou tomar. Dizem que, tomando a vacina, a gente fica pior do que se tivesse apanhado gripe. Não quero correr esse risco. Deve ter sido isso, né?

Não é fácil, amigo! Quer ver? A maioria sabe que sou aposentado. Trabalhei um quilômetro de anos no serviço público estadual, para ter direito a uma aposentadoria decente. Consegui. Afinal, cheguei a dirigente regional de ensino. E o que aconteceu depois? O que eu recebo hoje é inferior ao que eu recebia há cinco anos. Sim, é isso mesmo. Além de não ter recebido reposição salarial nesses anos, houve o confisco do
governador.

Imaginem se eu tivesse me comprometido financeiramente com base no que eu recebia antes. Estaria desesperado. Aposentado do serviço público estadual, hoje, corre sérios riscos. Ninguém sabe do que o governo é capaz. A gente sabe que coisa boa não vem.

Então, a gente resolve não correr muitos riscos. Já bastam os aumentos dos preços dos remédios, por exemplo. Sim, porque o que aposentado mais consome é remédio. Mas governo que confisca parte do salário de aposentados não deve saber disso. Arriscado!
Querem ver outra coisa muito arriscada? Votar. Ou não votar. É aquela história antiga: se correr o bicho pega; se não correr o bicho come. Votar é arriscado. Não votar é arriscado. Vou dar um exemplo que deve ter ocorrido com várias pessoas. A gente vota num candidato a deputado para quê? Para defender os nossos interesses, claro. E deve fazer isso com honestidade e competência. Nos casos cruciais, o candidato eleito – agora deputado – o que deve fazer?

Consultar seu eleitorado. E é isso que ele faz? Chééé! – como exclamava aquele meu amigo de Pardinho. O deputado, ao invés de votar de acordo com os interesses – justos – de seu eleitorado, vota de acordo com os interesses – egocêntricos – de seu governador. Se você vota nesse candidato é um risco de ser prejudicado; se não vota, é também um risco, que pode ser até pior.

O certo é que a gente vive se arriscando. E na maioria das vezes, sem conserto. Se tem fé, reza; se não tem fé, torce para que o pior não aconteça. Vai que um dia você ganha na loteria. É um risco. É só jogar. Vai que o deus da jogatina fica com pena da gente. Meu deus da jogatina, sou aposentado, vivo no Brasil, no estado de São Paulo, por favor, olhe por mim. Pra piorar, sou são-paulino. Não está fácil!

BAHIGE FADEL

Ódio do bem

A morte de Olavo de Carvalho colocou na berlinda uma expressão que era
pouco usada no Brasil. O ‘ódio do bem’. Essa expressão foi muito usada
nos Estados Unidos, principalmente para se referir às manifestações de
ódio contra o ex-presidente Donald Trump. O que há de comum entre
essas duas personagens é que são classificadas como sendo da direita
conservadora.

O objetivo do artigo não é opinar sobre as ideias de Carvalho e Trump,
mas sobre a intolerância que se manifesta de maneira cada vez mais
agressiva contra aqueles que pensam de maneira diferente. Cadê a
liberdade de expressão? Só posso pensar do jeito que o outro pensa? Não
posso ter um pensamento diferente? Só porque manifesto uma ideia
diferente tenho que ser imbecil, idiota, burro, reacionário, canalha e
outras coisas piores? Quer dizer que só o pensamento que eu tenho é
bom, inteligente, útil, correto, desejado, ideal, respeitável, democrático? E
aí vem o paradoxo: só é democrático para os ‘donos’ do ‘ódio do bem’
pensar do jeito que eles pensam. O resto é resto. Deve ser despejado no
lixo, sem possibilidade de reciclagem.

Tenho sido até repetitivo ao manifestar minha preocupação a respeito da
intolerância violenta que está imperando ultimamente. Cada vez mais,
pessoas visíveis e pessoas invisíveis manifestam essa intolerância. ‘Ódio do
bem’ nada mais é do que um sofisma. Para quem não se lembra, sofismar
é ‘encobrir a verdade de (algo) com argumentos falsos; dar uma interpretação falsa a’. O
tal do ‘ódio do bem’ não passa de ódio puro e simples. É ódio e nada mais.
Fomos ao dicionário, para sermos mais claros. Ódio: é a antipatia e a aversão
para com algo ou alguém. Trata-se de um sentimento negativo em que se deseja mal
ao sujeito ou objeto odiado. O ódio está relacionado com a inimizade e a repulsão. As
pessoas tentam evitar ou destruir aquilo que odeiam. É o que está acontecendo.
Não há bem nenhum nisso. Bem é outra coisa. Mais uma vez fomos ao
dicionário. Bem: aquilo que enseja as condições ideais ao equilíbrio, à manutenção, ao
aprimoramento e ao progresso de uma pessoa ou de uma coletividade. Como se vê, o
ódio destrói, o bem aprimora. ‘Ódio do bem’ é, portanto, um paradoxo.
Ele, simplesmente, oculta um mal que está nas entranhas daqueles que o
expressam.
O pior de tudo é que os caras que manifestam esse ‘ódio do bem’ têm
certeza de que fazem o bem. Eles querem destruir todos aqueles que pensam de maneira diferente, como se a destruição do diferente fosse um
bem. Assim, o branco que expressa seu ódio pelo negro deve achar que
está apenas praticando o ‘ódio do bem’. Assim, o rico que expressa seu
ódio pelo pobre ou o pobre que expressa seu ódio pelo rico (tanto faz)
deve achar que está praticando o ‘ódio do bem’.
Não vou me estender com outros exemplos. Fica claro que ódio é ódio, e,
portanto, um mal. E bem é bem. Só bem. O resto é sofisma, enganação,
intolerância.

BAHIGE FADEL

REUNIÕES

Neste ano de eleições, haverá muitas reuniões políticas. Muitas. E não serão reuniões para se discutir um plano de governo. Nada disso. Plano de governo não dá votos. As reuniões serão para se conseguirem mais votos. Na maioria das vezes, as reuniões serão quase secretas. Quase, porque sempre vaza alguma coisa. O vazamento pode ser ocasional (uma falha no sistema), proposital (há interesse em que se vaze algum assunto, para se criar um outro assunto, que é favorável ao vazador), decorrente de uma traição (esse é o mais comum dos vazamentos; o que mais existe em política é traidor – há até os traidores profissionais), estratégico (o cara faz vazar determinado assunto como parte de uma estratégia de ataque ou de defesa). Enfim, há vazamentos para todos os gostos e desejos.
Voltemos às reuniões. Elas são intermináveis. Lembro-me de uma longa reunião no tempo em que fui candidato a vereador. O partido convidou um especialista em campanhas eleitorais, para explicar-nos como fazer campanha. Nossa Senhora! O palestrante sabia todas as maneiras de se ganhar uma eleição. Tem que fazer isso, tem que fazer aquilo. Não pode fazer isso, não pode fazer aquilo. Progresso Garcia, que sabia mais de campanha do que qualquer palestrante, pediu a palavra e disse, em tom de deboche: Vai ter que fazer uma palestra para o outro lado, para que deixem a gente fazer isso. Foi uma gargalhada geral. E a reunião acabou.
Haverá a reunião da oposição e a reunião da situação. Na reunião da oposição o assunto fundamental será como destruir a situação. Se não houver fatos para a destruição, deverão ser criados ou inventados. A maioria dos fatos é inventada. Também se reúnem para se aproveitar de fatos existentes. Na maioria das vezes, são fatos irrelevantes, para os quais a oposição dá uma relevância enorme, a fim de convencer o eleitorado de que aquele candidato não pode ser eleito ou reeleito. Ele é careca! Onde se viu um cara que nem cabelos tem querer os votos do abençoado povo brasileiro? O importante é, na impossibilidade de criar uma certeza, criar uma dúvida na cabeça do eleitorado
Na reunião da situação se analisa como divulgar as obras realizadas pelo governo. Naturalmente que se dá uma dimensão muito maior do que determinada obra tem. Mostra-se uma rodovia esburacada. Depois, com o trabalho magistral do governo, a rodovia recapeada. Naturalmente que não se mostram as dezenas de outras rodovias esburacadas, que não foram recapeadas. O eleitorado só precisa saber da rodovia recapeada. As esburacadas ficam pra depois.
O leitor deve estar perguntando: E a verdade onde é que fica nessas reuniões? ‘Ora direis ouvir estrelas! Certo perdeste o senso’. – diria o poeta Olavo Bilac. A verdade, o eleitor que descubra sozinho. Não precisa de reuniões para isso. Portanto, a única coisa que a gente pode dizer é: Não acredite em tudo que vê ou ouve, nessa campanha eleitoral.

BAHIGE FADEL

Isonomia

Existem definições legais para a palavra isonomia, mas vamos ficar com a definição mais simples. Afinal de contas, minha intenção é fazer uma crônica, não defender uma tese. Isonomia é igualdade. Assim, se eu tenho uma propriedade e o munício me cobra um imposto para tê-la, todos os outros munícipes que possuem uma propriedade estão sujeitas ao pagamento do mesmo imposto. Isso é igualdade de deveres. Com os direitos, é a mesma coisa. Se eu tenho o direito de defender determinada ideia, tenho também o direito de criticá-la. Tem que haver igualdade de direitos tanto para a crítica como para a defesa. Parece que não há dúvida a respeito disso.
Por que estou falando sobre isso? Porque uma questão está me causando uma certa preocupação, nos últimos tempos. A isonomia não existe para certas pessoas. Elas se julgam donas da verdade e, por isso, se acham no direito de dizer o que querem sobre qualquer assunto, mas não aceitam a opinião contrária. Isso irrita. Será que estão surgindo novos deuses onipotentes? Será que estão existindo pessoas que podem tudo, inclusive não aceitar opiniões contrárias às suas? A esses deuses não se aplica o princípio básico da isonomia? Eles têm mais direitos e menos deveres do que os outros? Não é possível.
Estou comentando sobre esse assunto ao mesmo tempo em que ouço o comentário de um conceituado radialista local, sobre o episódio do tenista sérvio Djokovic, na Austrália. Todos sabem que o visto do tenista foi revogado, porque não foi vacinado contra a COVID-19. Ele entrou com um pedido, na justiça Australiana, que reconsiderou a revogação. Bem, não quero entrar no mérito da questão vacinal. Ouvi médicos a favor, ouvi médicos contra. Eu sou a favor e já recebi a terceira dose. Tive a COVID, não gostei e resolvi me proteger. Mas em nenhum momento fiquei achando que os contrários à vacina estão errados, por terem uma opinião diferente da minha. O que a gente sabe é que as pessoas não sabem muito sobre esse vírus. Alguns estão estudando, para saberem mais.
Voltando ao radialista: ao comentar o fato do tenista, meteu o pau em Djokovic, dizendo que, como personalidade, não tinha o direito de dar um mau exemplo aos seus fãs. E continuou nesse padrão. O que me deixa intrigado é que uma pessoa inteligente se acha no direito de criticar a opinião de uma pessoa sobre determinado assunto, sem aceitar que essa pessoa tenha uma opinião diferente. O modo como o radialista fez a crítica deu a entender que o tenista tinha a intenção de dar um mau exemplo às outras pessoas. Só que está na cara que não é isso. A intenção do tenista foi colocar em prática uma opinião própria sobre a vacina. Eu não tenho o direito de condenar uma pessoa só porque tem uma opinião contrária à minha. Não foi o caso, mas, muitas vezes, a gente nota que as críticas vêm mais acompanhadas de ódio do que de argumento. Isso não soluciona problemas, mas os cria.

BAHIGE FADEL