Coluna Bahige Fadel

Liberdade

A liberdade sempre foi e é um assunto importante para as pessoas. Em todos os dias enfrentamos situações que questionam nossa liberdade. Afinal de contas, essa liberdade existe realmente? Nós somos, de fato, livres? Ou podemos ser livres em certas situações?

Nesse tempo de pandemia – que está demorando bem mais do que desejamos – se falou muito em liberdade. As autoridades têm o direito de nos obrigar a tomar a vacina ou temos liberdade de optar por não tomar? Essa pergunta só pode ser respondida, se definirmos o que é liberdade. Se liberdade significar o direito de fazer aquilo que pretendemos, então podemos optar. Mas isso é liberdade ou libertinagem? A libertinagem é o uso da liberdade contrariando os princípios morais básicos. Por exemplo, é moral eu exercer a liberdade de ficar entre outras pessoas, se eu tenho uma doença de fácil contágio, colocando, assim, em risco a saúde de outras pessoas? Acredito que isso não é liberdade, mas libertinagem. Eu devo ter a liberdade de não tomar a vacina que me oferecem contra a COVID 19? Acredito que sim, desde que eu não ofereça risco a outras pessoas. Se eu não quero tomar a vacina, não posso ter o direito de frequentar lugares com muitas pessoas, colocando-as em risco de serem contaminadas por mim.

Aliás, essa polêmica de obrigatoriedade do uso da vacina no Brasil não é nova. No início do século XX – 1904 – houve uma revolta generalizada quando o Congresso Nacional determinou a obrigatoriedade do uso da vacina contra a varíola. Foi uma crise total, e sabem por quê? A primeira justificativa foi que aqueles em quem tivessem aplicado a vacina ficariam com cara bovina. Pode? Muita ignorância! Outra justificativa foi que as mulheres teriam que mostrar seu braço desnudo em público, já que a vacina era aplicada no braço das pessoas. É muito pudor, não acham?

Enfim, a gente chega à conclusão de que a liberdade total não existe. Ninguém pode fazer o que bem entende. E não é por qualquer regime político em que vivemos. A liberdade é muito relativa. Temos liberdade de ir e vir, desde que esse ato não prejudique outras pessoas. Temos o direito de não tomar a vacina, desde que não sejamos um risco de contaminação. Mas por mais livre que seja o regime político em que vivemos, não temos liberdade de não pagar os impostos determinados por lei. A lei não nos dá liberdade de optar. Eu não tenho a liberdade de não pagar a taxa de condomínio, pois esse não pagamento prejudicará os outros condôminos, que terão que arcar com as despesas gerais. Eu uso a energia elétrica do condomínio, e os outros pagam.

A gente ouve algumas pessoas levantarem a voz e dizerem: Eu faço o que eu quero. Em primeiro lugar, isso é fake. Não fazem. Em segundo lugar, se fizerem, que pena! Não sabem viver em sociedade.

BAHIGE FADEL

Paz

Perguntaram a uma criança: O que é sentir paz? E a criança, surpreendentemente respondeu: É o mesmo que sentir dor, só que é gostoso.

Certamente, na sua intuição, a criança achou que a paz é um sentimento tão forte como a dor, só que causa prazer.

Perguntaram a ela: Quando é que você sente paz? E ela não titubeou nem um pouquinho. Foi logo respondendo, como quem sabe o que diz: De várias maneiras. Quando a mamãe me coloca pra dormir e me conta histórias bonitas, de lugares com flores e um riacho de águas claras. Também sinto paz quando estou brincando com os meus amigos. É tão gostoso! A mamãe chama a gente para almoçar, a gente vai, mas a paz continua, porque sabe que depois da escola vai brincar de novo. Mas eu também sinto paz, quando vejo a mamãe e o papai sorrindo abraçados. Sei que nessa hora eles estão felizes. E eu sinto paz, porque, se eles estão felizes, todo mundo em casa fica feliz.  Sabe? Eu sinto paz de outro jeito também. Quando está chovendo bem fininho, eu fico olhando a chuva bater na janela da sala. E eu só tenho vontade de ficar olhando a água fazer o seu serviço. Mamãe me disse que a chuva, ainda mais quando vem mansinha, é boa para a natureza, para a vida. E a gente sente paz quando as coisas boas acontecem. Eu acho que a paz tem tudo a ver com felicidade, com alegria. Se eu estou feliz, eu sinto paz. Se eu estou alegre, eu sinto paz. Mas acho que não existe paz na tristeza. Quando estou triste, sinto um peso esquisito no coração. Dá vontade de chorar, dá vontade de fugir, dá vontade de não existir.

Vendo que a criança sabia tanta coisa sobre a paz, perguntaram-lhe: Para você, o que é a guerra? Ela pensou um pouco. Dispensou o sorriso do rosto e arriscou: É tudo de ruim. Meu pai me disse que há países que estão em guerra, e ficam matando uns aos outros. Eu não quero que ninguém mate as pessoas. Por isso, não quero a guerra. Nos filmes, todos os soldados têm o rosto fechado, sem sorriso, sem felicidade. E isso é ruim. Mas a guerra não é só isso. Um dia, eu ouvi a Lucinha dizer que os pais dela vivem em guerra. E todos na casa ficam assustados, porque parece que querem se matar. Em minha casa, não. Meus pais nunca estão em guerra. Minha mãe sempre diz que, quando ela não se entende com o papai, resolvem conversar, até se entenderem. Até ficarem em paz.

Seria tão bom que as pessoas do mundo tivessem a mesma percepção das crianças ou dos pais dessa criança. Em primeiro lugar, a paz, por menor que seja, é melhor do que qualquer guerra. Em segundo lugar, quando as pessoas não se entendem, seria tão bom se resolvessem conversar, para não entrarem em guerra. Seria tão bom que as pessoas se respeitassem e não quisessem impor que os outros fossem iguais a elas.

Sabe? Escrevendo sobre a paz, lembrei-me de uma música antiga de Dolores Duran:

Hoje eu quero paz de criança dormindo
quero o abandono de flores se abrindo
para enfeitar a noite do meu bem.

Pena que nem todos queiram resolver os seus problemas em PAZ.

BAHIGE FADEL

Normalidade

O pessoal já está falando que estamos voltando à normalidade. Será? Para não pisar na bola (deu-me uma vontade danada de escrever ‘pisar a bola’, mas achei que é muito esnobe), fui procurar, no dicionário, os significados da palavra ‘normal’. Não encontrei nenhuma novidade. É como a gente usa mesmo: De acordo com a norma, com a regra; comum. Que ocorre naturalmente ou de maneira habitual; natural, habitual. Que segue um modelo, normal ou padrão. Que se comporta ou age de uma maneira considerada aceitável ou adequada.

Daí me lembrei de que a moda é dizer que estamos vivendo um ‘novo normal’. Com o mesmo objetivo, fui ao dicionário: proposta de um novo padrão que possa garantir nossa sobrevivência.

Não satisfeito, fui à caça de mais informações: “Novo normal” é uma expressão cunhada por Mohamed El-Erian para caracterizar o fato de que esta crise não é como as que vivemos nas últimas décadas, com repercussões basicamente cíclicas, mas uma crise que provocará uma ruptura estrutural: quando ela passar e as coisas voltarem ao normal, esse não vai ser o mesmo normal de antes. Não reconhecer isso é arriscar a surpresa de se planejar para a volta do normal anterior e se descobrir numa realidade bem diferente.

Depois de tudo isso, eu pergunto: Podemos dizer que voltamos à normalidade ou a viver esse novo normal? Pelo jeito, muitas pessoas nunca deixaram de viver o antigo normal. Para elas, a pandemia foi uma ilusão de ótica, incapaz de afetá-las. Podia afetar o vizinho, o desconhecido, o conhecido, o cachorro do amigo, o inimigo, aquele cara lá do outro continente, os chineses, mas ele, jamais seria afetado por essa coisa. ‘Conversa de político pra prender a gente em casa’. Até quando morreu um parente próximo, essas pessoas não acreditaram. ‘Tão inventando essa doença. Todo mundo morre, um dia’.

Por outro lado, há as pessoas que continuam enclausuradas, impedidas de fazer qualquer atividade. ‘Distanciamento social’, para elas, quer dizer longe do mundo e de qualquer atividade. Preferem morrer de medo a morrer de COVID, de doença. Como se o medo não fosse uma doença terrível.

Tem que existir um meio-termo, né? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, diziam meus avós. Há um jeito saudável de voltar à normalidade sem correr muitos riscos. Há riscos, sim, mas também há riscos ficando em casa. Mesmo sem pandemia, corremos riscos. Os vírus, os bandidos, os ladrões, os assassinos e a depressão estão em todas as partes. Não é porque a gente fica trancado em casa que estamos protegidos. Podemos proteger-nos mesmo fora de casa. Assim como um assaltante pode entrar em nossas casas, a depressão também pode. Para nos proteger do assaltante, colocamos tranca nas portas, alarme por todas as partes e outros cuidados. Para nos proteger da depressão, muitas vezes a melhor solução é sair de casa. Para nos proteger da COVID, enquanto ela existir, é só tomar certos cuidados higiênicos e de distanciamento social. Você não precisa, agora, ir a uma balada, num espaço de cem metros quadrados, com trezentas pessoas que você mal conhece. Estar num ambiente assim, nunca foi muito normal, sempre ofereceu riscos para a saúde e para a segurança.

Na minha profissão, já vivo o novo normal. Recebo meus alunos. Eles e eu estamos de máscara e respeitamos certa distância segura. Posso garantir a vocês que esse novo normal é muito melhor que as terríveis aulas remotas, que fomos obrigados a ministrar durante mais de um ano.

É. O novo normal logo se transformará em normal. E o resto será lembrança, uma triste lembrança.

BAHIGE FADEL

As Crises

Quando as pessoas começam a dizer que, hoje, tudo está ruim, que nunca esteve pior, costumo dizer, para evitar discussões estéreis, que a pior dor que existe é aquela que a gente está sentindo. As outras dores ou não nos pertencem ou já as superamos. Se você, caro leitor, está com uma baita dor de dente e lhe perguntam qual é a pior dor que existe, o que é que você responde? Dor de dente, claro. Se você costuma ter aquelas dores de cabeça insuportáveis, que não o deixam dormir ou trabalhar, qual é a pior dor que existe? Dor de cabeça, claro.

Pois é, quando me dizem que no Brasil nunca houve uma crise política/institucional como a de agora, volto a perguntar sobre a pior dor. A crise de agora não é a pior que já existiu nem é a pior que existirá. O Brasil tem um balaio cheio de crises. A primeira que eu vi, logo ao chegar ao Brasil, ainda criança, brincando nas ruas de Pardinho, foi com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Todo mundo comentando o assunto, inseguro. O que vai ser de nós, agora, meu Deus? Para ser franco, não sei como a população superou essa crise. Sei que o Brasil continuou a sua vida à espera de outras crises.

Mesmo essa questão do ‘perigo do comunismo’, não é a primeira vez. Afinal de contas, o que é que houve em 64? Não foi a questão do ‘perigo do comunismo’, após a renúncia de Jânio Quadros, por culpa das ‘forças ocultas’ ou ‘forças terríveis’? Foi. E foi um deus-me-livre. O que seria do futuro do país? Terrorismo. Prisões. Mortes. Censura. Um monte de coisas. Parecia que não podia haver conserto para o Brasil. Mas continuamos vivos, tropeçando aqui, levantando acolá. E o Brasil continuou à espera de uma nova crise.

Quem não se lembra da crise causada no tempo do presidente Collor, o ‘caçador de marajás’? Nossa Senhora! Terrível. Um monte de consequências. Naquele tempo, o presidente tomou atitudes intempestivas que prejudicaram a população e, ainda, achou que podia peitar a grande e poderosa mídia. Deu no que deu. Cassação. Crise. Parecia que não encontrariam uma solução. E o que houve? Aos trancos e barrancos, superamos tudo, até o confisco da poupança, e estamos vivos. E o Brasil continuou à espera de uma nova crise.

A de hoje também não é fácil. A solução não ocorrerá com uma simples paralisação de caminhoneiros. Não que essa paralisação não tenha importância. Tem. Pode ser um estopim, mas não uma solução. E a crise de agora tem ingredientes novos, como a pandemia, com a briga das autoridades, cada uma querendo ser o pai da solução. Se deixassem só para a ciência, haveria menos problemas. Mas sempre houve os oportunistas de plantão, que querem tirar proveito em tudo. Não proveito para a nação, mas para si próprios ou para as suas ideologias. No fundo, não é uma questão de crise, propriamente, mas uma questão de poder. As pessoas incrementam as crises, porque amam mais a si mesmas do que aos outros. Alimentam-se do ódio e usam como argumento a desinformação ou a falsa informação, que gera insegurança.

Mas estejam certos, venceremos mais essa crise. Que a gente não tenha que pagar uma conta que não devemos. Que o Brasil não tenha que pagar por um pecado que os inoportunos radicais cometeram e continuam cometendo. O Brasil é maior que todos eles e, por isso, merece mais respeito.

BAHIGE FADEL

Valores

Presenciando essa verdadeira briga de foice no escuro em que se transformou a discussão política no Brasil, em que cada um fala o que bem entende, sem se preocupar com o respeito a nenhum valor moral, comecei a fazer uma reflexão a respeito desses valores. Quais estariam sendo desrespeitados, jogados no lixo da ignorância pelos donos de todas as verdades?

A honestidade é o primeiro dos valores morais. Essas pessoas que berram desaforos e críticas, sem nenhuma comprovação, sem nenhum respeito à inteligência humana, estão sendo honestos? Essas autoridades que tomam atitudes autoritárias e intempestivas estão sendo honestas? Por exemplo, é honesto mandar prender alguém por dizer que uma autoridade é corrupta, mas não tomar nenhuma atitude contra alguém que chama outra autoridade de genocida?

Outro valor moral é a tolerância. Está ocorrendo tolerância na sociedade de hoje ou estamos chutando o balde por qualquer coisa que contrarie os nossos interesses? Estamos sendo tolerantes com pequenos erros dos nossos adversários como somos com os erros de nossos companheiros? Ou estamos adotando a velha teoria, segundo a qual para os amigos tudo, para os inimigos a lei (interpretada conforme os nossos interesses, claro)?

Outro valor importante é o discernimento. Como se sabe, o discernimento é a capacidade de compreender as situações e separar o certo do errado. Está havendo, realmente, discernimento nessas discussões políticas? Ou cada um está jogando lama adoidado naquele que não compactua com a sua ideia? Se é contra, vamos arrebentar. É essa a teoria que vale? Não vale saber o que é certo e o que é errado, mas só o que está a favor e o que está contra?

A prudência também é um dos valores morais que devem ser respeitados. Estão sendo prudentes essas pessoas? É prudente ficar alarmando a população com a divulgação enfática de notícias negativas e o desprezo aos acontecimentos positivos? É prudente falar do número de mortes e desconhecer o número de curas? É prudente espalhar certas atitudes a serem tomadas, sabendo-se que trarão consequências negativas para a população?

Importante valor moral a ser seguido é a empatia, a capacidade de nos colocar no lugar do outro. Está havendo isso nessas discussões políticas? Ou cada um está colocando-se do seu lado, impedindo que o outro se aproxime? Ao destilar ódio contra alguém, estamos colocando em prática nossa empatia? Estamos empregando a empatia quando fazemos de tudo para que o nosso opositor tenha dificuldades de realizar certo trabalho que beneficiará outras pessoas?

Solidariedade e responsabilidade são outros valores importantes. Quando dizemos algo, temos que ser responsáveis pelas implicações que surgirem. Se mentimos ou aumentamos a importância de algo negativo, não estamos sendo responsáveis. Se ao invés de ajudar alguém a ser melhor, só nos preocupamos em criticá-lo e diminuí-lo, não estamos sendo solidários.

Magnanimidade ou generosidade. Acho que está faltando isso há um bom tempo, principalmente nesse bate-boca descontrolado que temos ouvido nos últimos meses. Pessoas perdendo o controle na agressão, na mentira, no ódio. Onde há ódio não pode haver generosidade.

Estou achando que essas discussões nos meios de comunicação e nas redes sociais não visam à solução de nenhum problema. O objetivo é vencer ou derrotar. Que a verdade tenha força suficiente para suportar os ataques insanos dos que só pensam na vitória a qualquer custo.

BAHIGE FADEL

Tempo de incertezas

Não é fácil, cara pálida. São muitas incertezas. Tempo em que os problemas, na maioria das vezes, foram em maior número do que as soluções. Há muito tempo, uma pessoa me disse que o maior perigo da humanidade será quando as pessoas começarem a criar problemas cujas soluções não estão ao seu alcance. Não quero acreditar que chegamos a esse momento. Não quero. Tenho que acreditar no ser humano. Tenho que acreditar na educação. Tenho que acreditar na ciência. Tenho que acreditar na solidariedade humana. Não posso acreditar que o homem queira destruir o próprio homem. Alguns, pode ser. Há seres abomináveis. Há seres-vampiros, que só se satisfazem com sangue. Mas não posso acreditar que estes sejam os vitoriosos. Não posso.

Mas as incertezas são muitas. Não param de surgir. Incertezas que vieram com a pandemia da COVID-19. Estas, felizmente, estão sendo superadas aos poucos. Reduziu-se a gritaria radical que procurava culpados, para dar lugar à corrida pela solução dos problemas, como a vacinação em massa. Demorou para que as pessoas se conscientizassem de que deveriam aprender mais sobre o coronavírus e acusar menos. Estamos nessa fase. Experimental. Não me importo de ser uma cobaia. Sei que a vacina não é perfeita, mas é a única solução que temos, no momento. No futuro, haverá vacinas melhores, mais seguras. Isto porque as pessoas estão estudando mais e acusando menos.

Há outras incertezas também. Incertezas políticas, incertezas econômicas. As econômicas serão solucionadas. Sempre foram. Logo haverá mais empregos, alavancando a indústria e o comércio, estimulando a produção agrícola e industrial. Acredito muito nisso. Só não acredito na solução das incertezas políticas. Pelo menos, em curto prazo. Alguns políticos são piores do que esses vírus que surgem. Para os vírus, conseguem encontrar vacinas. Já para alguns políticos, ainda não temos vacina eficaz. A sede de poder é muito grande. É bem maior do que a capacidade de exercê-lo. Nessa ocasião, muita gente funciona como aqueles cachorros de rua, que correm latindo atrás de um veículo em movimento. Quando o veículo para, o cachorro não sabe o que fazer. Infelizmente é assim. Destroem o mundo para conseguirem o poder, mas, quando o conseguem, não sabem o que fazer dele.

Mas nem tudo está perdido. Não é o fim dos tempos. Acredito no instinto de sobrevivência da humanidade. Ao ver-se em perigo iminente, encontrará forças e disposição para achar uma saída. Mas que não demore muito. Não podemos deixar que o mal nos vença. Já o conhecemos. Ele é perigoso, mas não imbatível. Quero acreditar nisso.

BAHIGE FADEL

Tempo de Mudanças

Meu Deus, estão terminando as férias escolares! Nossa! Parece que começaram ontem mesmo, e já estão no fim. Férias diferentes, aliás. Pelo menos, para a maioria. Grandes viagens, passeios em grupo, festinhas nos finais de semana, baladas, churrascos, cinema, teatro, passar uns dias na casa dos amigos… Isso tudo pode não ter terminado completamente, mas houve uma redução drástica. Novos tempos, novos costumes. Sim, até isso. A gente está se acostumando à nova realidade. Parece         que já faz um século que a gente está desse jeito. Se continuar assim por muito tempo, corremos o risco de nos esquecer de como era antes. Ou o que era antes vai virar história. Não história de velhos. História de jovens. ‘Você lembra o dia em que a gente foi beber no sítio do Tó? Três dias de bebedeira, cara. Maior barato. Bons tempos aqueles, né?’

Por outro lado, tenho certeza de que o retorno às aulas nunca foi tão esperado. Tenho certeza de que quase ninguém está falando: ‘Pô, voltar à escola. Quer saco!’ Nem alunos nem professores. Os professores já estão com o saco cheio de ministrar aulas remotas. Aulas para uma tela. Haja imaginação. Imaginar o aluno atento. Imaginar o aluno interessado. Imaginar o aluno presente. Tudo numa tela. Haja motivação! Motivar-se para dar uma aula interessante e motivar o aluno, para que ele ache interessante a aula. Esforço dobrado. Quadruplicado. Um cansaço mental insuportável.

Por outro lado, o aluno, no mínimo, querendo sair de casa, encontrar os colegas de classe ou de outras classes, jogar conversa fora. Acho que há alunos com saudade até dos pitos que o professor lhes dava, porque estavam sonolentos ou desinteressados ou em conversa com o colega do lado ou atento ao celular… Até disso os alunos devem estar com saudade.

No primeiro semestre, no meio de uma aula, um aluno abriu o microfone e me disse: ‘Professor, tenho uma vontade enorme de conhecer o senhor.’ Fiquei com um nó na garganta. Depois pensei: Caramba, dou aula pra gente que não conheço e não me conhece. Que raio de educação é essa? Educação capenga, manquitola. Educação sem emoção.

Mas tudo isso vai acabar. Deus queira! Vamos, aos poucos, voltar à normalidade. Educação olho no olho. Educação em que os participantes se conhecem. Concordam e discordam. Vivem bons e maus momentos. Riem e choram. Lamentam e agradecem. Mas estão lá, juntos. Um ajudando o outro. Um participando da vida do outro. Somos seres sociais. A partir desse segundo semestre, poderemos voltar a ser. Seres sociais. Não robôs. Não máquinas. Não agentes de uma educação que se sustenta numa máquina. O que deve sustentar a educação é a relação professor/aluno. A máquina não passa de um acessório. Nunca pode ser principal.

BAHIGE FADEL

Intolerância

Será que podemos chamar a época em que vivemos de era da intolerância? Ou seria um exagero? As atitudes públicas que presenciamos nos dias atuais seriam manifestações de intolerância? Ou são manifestações sensatas, equilibradas, racionais, baseadas em argumentos sólidos? As pessoas, hoje, estão raciocinando mais com o cérebro ou com o fígado?

Vamos ver. Para não ficar apenas numa opinião, fui buscar o significado de intolerância. Aliás, opinião, no mundo de hoje, é o que não falta. E as pessoas alardeiam suas opiniões como se fossem verdades absolutas, dogmas até. Aprendi que opinião é bom tê-la, mas que ela tem mais importância para o seu dono do que para a verdade. A verdade é o fato. Já a opinião é um ponto de vista, nada mais. Tenho visto programas que se divulgam como informativos, mas que nada mais são do que programas de opinião. É um perigo para a verdade, quando acreditamos que a opinião é um fato. Mas vamos ao significado da intolerância: ‘Intolerância é a característica que corresponde a falta de compreensão ou aceitação em relação a algo. Uma pessoa que age com intolerância é chamada de intolerante e, por norma, apresenta um comportamento de repulsa, repugnância e ódio por determinada coisa que lhe seja diferente’.

Tá. Acho que ficou claro. O intolerante não aceita aquilo que é diferente do eu ele pensa. Assim, não adianta dialogar com um intolerante. Ele, por princípio, não aceitará nada que seja diferente do que ele quer ou pensa. Será contra. Não adianta você provar por a + b que ele está errado. O que vale é o que acha que deve valer. O intolerante, por mais inteligente que seja, é um mal. Aliás, o intolerante inteligente é mais perigoso do que o intolerante limitado, pois o inteligente é mais capaz de influenciar outras pessoas.

Pelo amor de Deus! Não vão pensar que sou contra aquele que não tolera a corrupção, a desonestidade, a mentira. Estou falando daquele que não tolera absolutamente nada que seja diferente do que ele quer ou pensa. Em política existe muito disso. O intolerante não tolera um político. Então, o que ele faz? É contra. E para justificar a sua posição contrária, ou inventa fatos sobre o tal político, ou distorce fatos sobre o tal político, ou dá a fatos negativos sobre o tal político uma dimensão muito superior à realidade. Ele, o intolerante, é incapaz de ver algum ponto positivo naquilo ou naquele que ele não tolera.

Sabe de uma coisa? O intolerante nunca acha que é intolerante. Ele esbraveja. Grande parte dos intolerantes é raivosa. Como não aceita nada diferente, tende a achar que os diferentes estão errados e/ou são seus inimigos. O intolerante é perigoso, pois tende a perder a noção de certo e errado. Tende a perder a noção de limites. Normalmente, os intolerantes perdem o bom senso. Não precisamos deles. Eles não acrescentam nada de positivo. Os intolerantes mataram Cristo e cristos.

BAHIGE FADEL